sábado, 30 de maio de 2009

Acórdão do STA - Subturma 11

ACÓRDÃO
Processo nº 50/2009
RECORRENTES
- «OS BINÓCULOS FELIZES», associação científica, sem fins lucrativos, de utilidade pública ambiental, para o estudo e a conservação das aves em Portugal, com sede na Rua das Pombinhas da Catrina, n.º 11, 2009-006 Vilar de Brisa do Mar, e NIPC 545444555, representada pelo seu Presidente, João Passaroco, casado, ornitólogo e residente na Rua da Sopa de Ninho de Andorinha, n.º 17, 2009-001 Monte dos Vendavais;

- «JUNTA DE FREGUESIA DO MONTE DOS VENDAVAIS», na pessoa do seu presidente Emílio Brontë;
- «JOÃO CAMPOS DAS NEVES SIROCO», casado, engenheiro agrário, residente na Rua das Sete Quintas, nº 14, 2534-343 Vilar de Brisa do Mar, portador do Bilhete de Identidade nº 12345465 emitido a 12/03/2002 em Lisboa e Contribuinte Fiscal nº 565756451.
RECORRIDOS
- PRESIDENTE DA CÂMARA DE VILAR DE BRISA DO MAR, com domicílio profissional na Praça do Município, 2009-000 Vilar de Brisa do Mar,

- CONSELHO DE MINISTROS DO GOVERNO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, sito na Rua Professor Gomes Teixeira, 1350-265 Lisboa,

CONTRA-INTERESSADA:

- SÍSIFO, S.A., sociedade anónima com sede na rua Emílio Bronte, nº86, 2009-002 Vilar de Brisa do Mar, representado pelo Presidente do Conselho de Administração, Carlos Salatiel Smithico, casado, empresário, residente na Avenida Constante Mau Tempo, nº 66, 2009-003 Vilar de Brisa do Mar, e com domicilio profissional na rua Emílio Bronte, nº86, 2009-002 Vilar de Brisa do Mar.


Na presente acção,

O A. «OS BINÓCULOS FELIZES» vem pedir:

A) Que seja reconhecida a existência de indeferimento tácito do pedido de classificação do projecto como “PIN+” ou, caso assim não se entenda, subsidiariamente, seja declarada a nulidade do hipotético acto administrativo que decidisse tal classificação;

B) Que o acto administrativo lesivo de dispensa de avaliação de impacto ambiental seja declarado inválido, reconhecendo-se a sua nulidade, conforme é entendimento da A., por insuficiência de fundamentação e violação de lei e, bem assim, a sua inconstitucionalidade, ou, se assim não for, e nunca concedendo, que se venha a declarar como consequência da sua invalidade a anulabilidade do mesmo;

C) Que dessa declaração sejam retiradas as necessárias cominações legais;

D) Que o aqui Primeiro R., caso tenha delegação de competências para tal, seja condenado a praticar o acto adequado a promover a avaliação de impacto ambiental no âmbito do procedimento de licenciamento do parque eólico de Monte dos Vendavais;


E) Cumulativamente, que se condene o aqui Primeiro R. em sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na promoção da avaliação de impacto ambiental;

F) Que seja declarada a invalidade do alvará de licenciamento emitido pelo Primeiro R., porque anulável por violação do princípio da competência e, ainda que assim não se entenda, sempre será anulável por violação do princípio da audiência dos interessados;

G) Que os actos administrativos praticados pelo Conselho de Ministros sejam considerados nulos por violação do princípio da competência, na modalidade de incompetência absoluta;

I) Que sejam desaplicadas as normas do art. 3.º do D.L. n.º 69/2000, de 3 de Maio, e do art. 18.º do D.L. n.º 285/2007, de 17 de Agosto, por inconstitucionalidade, em virtude da violação do princípio da precaução, constitucionalmente consagrado no art. 66.º, n.º 2, da Constituição, e do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18.º da
Constituição.
O A. «JUNTA DE FREGUESIA DO MONTE DOS VENDAVAIS» vem pedir:

A) Ser declarado nulo a resolução do Conselho de Ministros;
B) Subsidiariamente, ser tal acto anulado.
C) Ser anulado o alvará.
D) Ser a Sísifo S.A. condenada à apresentação de Estudo de Impacte Ambiental caso pretenda prosseguir com o projecto.
O A. «JOÃO CAMPOS DAS NEVES SIROCO» vem pedir:

A) Reconhecimento do seu direito de acesso à informação e consequente acesso às plantas e demais documentos;

B) Impugnação do acto que considera o projecto PIN + uma vez que está inquinado com o vício da nulidade por preterição de uma fase essencial, a prévia audiência pública;

C) Indemnização no valor de € 100.000 (cem mil euros) por lucros cessantes advindos das expectativas criadas pelo contrato de compra e venda.


1- Citados regularmente contestaram os recorridos alegando em síntese:

A Sísifo SA.,R1 vem contestar a invocação da inconstitucionalidade da dispensa da AIA por parte dos autores BB., alegando que, dado tratar-se de um caso de circunstâncias excepcionais, por ser de “profundo interesse nacional” e ter por base a “necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia”, tal dispensa seria legítima (artigo 3.º, 1 DL 69/2000).
A contra - interessada vem afirmar que a fundamentação para aquela dispensa teve em conta estudos e consultas prévias acerca do caso em discussão, tendo já sido anteriormente avaliados os valores ambientais em jogo. Lembra ainda que esta fundamentação pode ser “uma mera concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas” (artigo 125.º, 1 CPA).
Ainda relativamente à dispensa da AIA pelo Conselho de Ministros, vem a contra interessada invocar o artigo 200.º, 1 g) da CRP para justificar a possíbilidade daquele órgão deliberar, entre outros, sobre assuntos que sejam da competência do Governo, proposto pelo PM ou por qualquer outro Ministro.
A Sísifo SA. contesta a alegação de indeferimento tácito feita pelos autores BB., por estarmos perante um procedimento que não o admite. Nessa sequência diz ainda a contra-interessada que o decurso de prazo de 20 dias não acarreta outra invalidade que não uma mera irregularidade.
Diz a contra-interessada não se poder incluir o direito a audiência prévia no âmbito de direitos, liberdades e garantias, não sendo a falta do acto, à luz do artigo 133.º, 2 d) do CPA, ferido de nulidade.
A Sísifo SA. afirma ainda ter sido a delegação de competências no Presidente da Câmara desde logo afixada num placar na Câmara Municipal, assim como foi enviada uma cópia para o Presidente da Junta de Freguesia de Monte dos Vendavais.
***

O Conselho de Ministros, R2, vem contestar o pedido de nulidade da resolução do CM. Considera o Conselho de Ministros, que apesar do nº1 do artº 3º do D.L nº 69/2000 atribuir a competência de dispensa de AIA ao Ministro responsável pela área do Ambiente e ao Ministro responsável da tutela, foi invocado por ambos os membros do governo, impedimento ao abrigo da alínea b) do nº1 do artº 44º do CPA.
Relativamente à aprovação de dispensa de AIA, contesta o Conselho de Ministros dizendo que esta foi aprovada de acordo com todos os requisitos legais impostos. Considera o Conselho de Ministros que dada a utilização de conceitos indeterminados no artº3 do D.L. 69/2000, cabe à administração preenche-los. Assim, entendeu o Conselho de Ministros que o projecto de construção do parque eólico é de profundo interesse nacional na procura e diversidade de fontes de energia, nomeadamente renováveis. Entendimento sustentado pela Directiva Comunitária 2001/77/CE.
Alega ainda o C.M. que o facto de existir um plano de pormenor actual que previa a construção de tal obra no Monte dos Vendavais, sujeito a estudo de impacte ambiental, não há por isso necessidade de novo estudo.
Quanto à ausência de audiência prévia, alegada pelo 2º A, responde o C.M dizendo que foi colocada toda a informação relevante sobre o projecto na página do Ministério do Ambiente. Por último, o C.M vem dizer que a classificação do projecto como PIN+ foi ilegitimamente requerida por não respeitar o disposto no artº2º nº2 do D.L 285/2007.como tal, foi este pedido desconsiderado pelo governo, não se tendo este pronunciado.
***
O Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar, R3, vem dizer que compete ao órgão da CM “conceder licenças nos casos e nos termos estabelecidos por lei (...)” (artigo 64.º, 5, a) da Lei 169/99), tendo sido essa competência delegada no Réu.
O recorrido vem contestar alegando a correcta qualificação do projecto como PIN+, por se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos por lei.
Relativamente ao alegação de indeferimento tácito, o presente réu contesta da mesma forma que a contra-interessada Sísifo.
No que diz respeito ao pedido de acesso a documentos referentes ao projecto feito por João Siroco dirigido à Câmara Municipal, diz o recorrido não ter sido aquele redigido de forma suficientemente precisa, tendo a Câmara informado o interessado da respectiva situação.
No que toca à dispensa de AIA contesta o recorrido que o Plano Pormenor de Monte dos Vendavais já havia sido sujeito a AIA.
Igualmente a excepcionalidade das circunstâncias é justificada do mesmo modo que a contra- interessada Sísifo SA..


2– O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento da presente acção. Considera em suma, o MP que o projecto em causa não foi classificado como PIN +, nem dispensado de AIA. Ainda que a resolução do Conselho de Ministros fosse favorável à classificação do projecto como PIN+, esta sempre seria nula por vício de violação de incompetência absoluta, nos termos do art.º 133, nº2 b) do CPA. O MP é da opinião que não se consideram verificadas as circunstâncias excepcionais de dispensa de AIA, como assim exige o art.º 3º do DL 69/2000. O MP entende ainda, que o facto de o Plano de Pormenor do Monte dos Vendavais prever a construção de uma obra similar à do projecto em causa, tendo este sido sujeito a Avaliação Ambiental Estratégica, não preclude a necessidade de AIA deste parque eólico em concreto. Acresce ainda que a competência para a dispensa de AIA, é da competência do ministro tal e tal como refere o art.º3º nº7 da lei….Assim sendo, a resolução do Concelho de Ministros sobre a dispensa de AIA é nula, por padecer do vício de incompetência absoluta (artigo 133/2 b) CP. Assim, uma vez que o projecto está sujeito a AIA, não tendo sido emitida dispensa favorável ou parcialmente favorável, é nulo o licenciamento concedido pelo Presidente da Câmara.
O MP considera ainda, que foram violados o direito fundamental de informação ambiental do Sr. João Siroco e do seu direito de audiência prévia. Sendo este último, dono de terrenos nas imediações do futuro parque eólico é obviamente tido como interessado para efeitos do artigo 100º CPA.
Por último, o MP considera que o projecto em causa não se encontra sujeito a licença ambiental, dado que no actual regime constante do Decreto-Lei 173/2008, não é condição da instalação de qualquer projecto mas sim do início da sua exploração (artigo 9º).

II – Matéria de facto assente
A) A Sísifo S.A. negociou informalmente com a Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar a instalação de um parque eólico com 15 torres de produção de energia nesse município.
B) Aquando da elaboração do Plano de Pormenor do Monte dos Vendavais, foi elaborado um estudo de impacto ambiental, o que previa a instalação de um parque eólico.

C) Foi apresentado ao Governo um pedido para que o projecto fosse considerado de Potencial Interesse Nacional de Importância Estratégica (PIN +).

D) Não tendo o projecto em causa sido apresentado pela CAA‐PIN, entendeu o Governo desconsiderar o mesmo por ilegitimidade do requerente, pelo que não se pronunciou.
E) Em 20 de Janeiro 2009, a Sísifo, S.A. apresentou um primeiro pedido de dispensa de avaliação de impacto ambiental para o projecto em causa.

F) Porém, a Sísifo, S.A., em 1 de Abril, apresentou novo pedido de dispensa de avaliação de impacto ambiental, substituindo o pedido anterior.

G) O Governo aprovou, por resolução de Conselho de Ministros, a dispensa de avaliação impacte ambiental (AIA), com base no «profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia», passados quatro meses do requerimento de dispensa.
H) Em 30 de Abril, através de ofício do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Governo Português comunicou tal decisão à Comissão Europeia.
I) No seguimento da dispensa de avaliação de impacte ambiental pelo Conselho de Ministros, o Presidente da Câmara Municipal rapidamente emitiu um alvará autorizando as obras de construção do parque, passados somente 2 dias após a publicação da resolução dispensadora.
J) A região de Monte dos Vendavais, sita no concelho de Vilar de Brisa do Mar, integra a Z.P.E. n.º 37 da Rede Natura 2000 de Portugal Continental – Cfr. Decreto Regulamentar n.º 6/2008, de 26 de Fevereiro.

K) A referida Z.P.E. foi criada pelo mencionado decreto regulamentar, no âmbito da transposição da denominada «Directiva Aves» (Directiva n.º 79/409/CEE, de 2 Abril, do Conselho) e nos termos do Decreto-lei n.º 140/99, de 24 de Abril.

L) O Governo colocou à disposição toda a informação relevante sobre o projecto no sítio de Internet do Ministério do Ambiente, para acesso pelos interessados.

III – Direito

As partes legítimas, nos termos dos artigos 9.º, 10.º, 55.º n.º 1, alínea c) e CPTA , foram citadas regularmente.
Tendo em conta os factos dados como provados, há que tomar posição relativamente às seguintes questões:
A- A existência ou não de classificação como Projecto “PIN +”;
B- A validade do procedimento de aprovação do projecto de construção do parque eólico do Monte dos Vendavais e da delegação de competências no Presidente da Câmara;
C- A validade do procedimento de dispensa de Avaliação de Impacte Ambiental;
D- A constitucionalidade dos artigos 3º do Decreto-Lei nº 69/2000 e 18.º do D.L. n.º 285/2007;
E- O reconhecimento do direito à informação do Autor JOÃO CAMPOS DAS NEVES SIROCO;
F- A questão da indemnização pedida pelo Autor JOÃO CAMPOS DAS NEVES SIROCO.


A - A existência ou não de classificação como Projecto “PIN +”;

Estabelece o artigo 2º nº 2 do D.L. nº 285/2007 que são susceptíveis de classificação como projecto “PIN+” os projectos que para esse efeito são propostos pela Comissão de Avaliação e Acompanhamento dos projectos PIN, doravante designada CAA-PIN. A CAA-PIN dispõe de 30 dias para apresentar a proposta de classificação de um projecto como “PIN +”, nos termos do art. 5.º, n.º 1, do D.L. n.º 285/2007, contados a partir da apresentação do requerimento de reconhecimento como tal. Posto isto, o Governo dispõe do prazo de 15 dias a contar da recepção da proposta para, em despacho conjunto dos ministros do Ambiente e da Economia, declarar expressamente a classificação.
Neste caso não nos restam dúvidas de que não existiu qualquer classificação do projecto de construção do parque eólico como projecto PIN +. O Governo pura e simplesmente não se pronunciou em relação ao pedido de classificação, alegadamente por considerar ilegítimo o requerente, tendo apenas emitido uma mera declaração que isentou o projecto de A.I.A. Ora, os órgãos administrativos têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares (cfr. artigo 9º nº 1 CPA). De facto, o Presidente da Câmara não tem competência material para propor a classificação como PIN + aos ministros competentes. No entanto, isso não isenta o Governo do seu dever de resposta, devendo, no presente caso, ter existido a notificação do conhecimento da questão da ilegitimidade do requerente que impedia a tomada de decisão sobre o objecto do pedido (artigo 83º c) CPA). Houve um incumprimento do dever de decisão por parte do órgão governamental.
A ultrapassagem do prazo de decisão, alega o A. “«OS BINÓCULOS FELIZES», levaria ao indeferimento tácito do pedido, o que se retiraria do artigo 6º nº 2 do D.L. 285/2007. Este tribunal não pode concordar com este raciocínio. Na verdade, o instituto do indeferimento tácito, previsto no artigo 109º CPA, foi tacitamente derrogado na parte em que reconhece ao interessado “a faculdade de presumir indeferida [a sua] pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação”, com a introdução da possibilidade de se pedir e obter a condenação judicial da Administração à prática de actos administrativos ilegalmente omitidos. Deve-se ler o referido preceito do CPA como se dissesse que a falta de decisão administrativa confere ao interessado a possibilidade de lançar mão do meio de tutela adequado, como defende Aroso de Almeida e Vasco Pereira da Silva. Assim, qualquer preceito que preveja o indeferimento tácito, como é o caso do artigo 6º nº 2 do D.L. nº 285/2007 deve-se considerar caduco nessa parte.
No presente caso e para o que interessa à decisão final, deve-se considerar que não existiu a classificação como projecto PIN + do projecto de instalação do parque eólico.

B - A validade do procedimento de aprovação do projecto de construção do parque eólico do Monte dos Vendavais e da delegação de competências no Presidente da Câmara;

A aprovação de um projecto de construção de um parque eólico está sujeito a licenciamento por parte da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar, competência prevista na alínea a) do n.º 5 do art. 64.º da Lei das Autarquias Locais (Lei 169/99, de 18 de Setembro). Esta competência, no entanto, pode ser delegada no Presidente da Câmara (cfr. art. 65º da Lei 169/99, de 18 de Setembro). Efectivamente, deve-se considerar válida a delegação de competências, com o cumprimento dos requisitos dos artigos 37º nº 1 e nº2 do CPA (cfr. documento 5 anexo à Contestação da Sísifo, S.A. às Petições Iniciais da Junta de Freguesia do Monte dos Vendavais e da associação Os Binóculos Felizes).
Este tribunal considera que a decisão do Presidente da Câmara Municipal de conceder o alvará de construção do parque eólico do Monte dos Vendavais violou manifestamente os princípios da colaboração com os particulares e da participação dos interessados, que devem presidir à actividade administrativa, corolários do art. 266.º da Constituição. Consideramos gravíssima a inexistência de audiência dos interessados, bem como a falta de consulta de entidades administrativas que por lei teriam de se pronunciar sobre o projecto em causa.
A audiência dos interessados tornou-se, inevitavelmente, numa fase essencial de qualquer procedimento administrativo. Este tribunal, afastando-se, por um lado, do entendimento tradicional de que a preterição desta mesma audiência resulta num mero vício de forma, e, por outro, de que o vício gerado por esta omissão comina no desvalor jurídico da anulabilidade, como é defendido pela orientação tradicional, na qual se encontra Freitas do Amaral, entende que a audiência dos interessados, quando preterida, inquina a validade da actuação administrativa, implicando a ilegalidade material do acto administrativo em causa, por ter sido praticado sem a correcta ponderação de todos os interesses envolvidos, originando, claramente, o “vício de violação de lei”, por violação do princípio constitucional da “protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos” (vide os artigos 266º nº1, da Constituição da República Portuguesa, e 4º do Código de Procedimento Administrativo), bem como dos princípios da imparcialidade e da proporcionalidade (vide, os artigos 266º nº 2 da CRP e 6º CPA). Entende, ainda, este tribunal, na senda do que parte da doutrina vem defendendo, onde se enquadram Vasco Pereira da Silva e Sérvulo Correia, que o desvalor jurídico resultante da omissão da audiência dos interessados não pode ser outro que a nulidade, a forma de invalidade mais grave do acto administrativo. Efectivamente, quer pela qualificação do direito de audiência como direito fundamental, quer pela via dos direitos fundamentais afectados pelas actuações administrativas terem de resultar de um procedimento participado e em que os privados seus titulares sejam ouvidos, quer ainda pela conjugação de ambas as perspectivas, chegamos à conclusão de que uma decisão administrativa praticada sem a audiência dos interessados viola o conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que deve ser considerada nula, nos termos do artigo 133º nº2 d) do CPA. Mais, é de considerar que o direito de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (vide o artigo 267º nº 5 CRP) tem natureza de direito fundamental, análogo aos direitos, liberdades e garantias, de acordo com o artigo 17º da Constituição, o que retira qualquer dúvida relativamente ao reconhecimento do vício da nulidade a um acto administrativo que pretira a audiência dos interessados.
Assim sendo, considera-se nulo o alvará de licenciamento emitido pelo Presidente da Câmara de Vilar de Brisa do Mar, por violação do princípio da audiência dos interessados.
C - A validade do procedimento de dispensa de Avaliação de Impacte Ambiental

O facto de a região de Monte dos Vendavais, sita no concelho de Vilar de Brisa do Mar, integrar a Z.P.E. n.º 37 da Rede Natura 2000 de Portugal Continental (cfr. Decreto Regulamentar n.º 6/2008, de 26 de Fevereiro), faz dela uma área sensível para efeitos do Decreto-lei 69/2000, de 3 de Maio, nos termos do seu art. 2.º, al. b), ponto ii).
A construção de um parque eólico com quinze torres de energia num território considerado como “área sensível” está tipificada no Anexo II, ponto 3, alínea i) do D.L. nº 69/2000, sendo, portanto, obrigatoriamente sujeita a Avaliação de Impacte Ambiental, nos termos do art. 1.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma. No entanto, o artigo 3º do referido D.L. prevê a possibilidade de dispensa do procedimento de AIA cumpridos certos requisitos.
No presente caso, foi, de facto, apresentado o requerimento de dispensa de A.I.A. à entidade licenciadora, no âmbito do artigo 3º, nº2 do D.L. 69/2000 (cfr. documento 4, anexo à Contestação da Sísifo, S.A. às Petições Iniciais da Junta de Freguesia do Monte dos Vendavais e da associação Os Binóculos Felizes). Em consequência, a entidade licenciadora, na pessoa do Presidente da Câmara, Toninho Lopes da Silva, apresentou ao Governo um pedido para que o projecto fosse dispensado de A.I.A.. O Governo veio, por fim, através de resolução do Conselho de Ministros, dispensar de A.I.A. o projecto de construção do parque eólico.
Neste ponto interessa abordar duas questões: a competência do Conselho de Ministros para aprovar a dispensa de AIA, em primeiro lugar, e depois, a validade da dispensa de A.I.A..
O artigo 3º nº 1 do DL 69/2000 refere que a dispensa do procedimento de A.I.A. compete ao ministro responsável pela área do ambiente e ao ministro da tutela, mediante despacho conjunto. Ora, cada ministro cabe determinadas atribuições, pelo que, do exercício das mesmas por parte do Conselho de Ministros resulta uma situação de violação do princípio da competência, na modalidade de incompetência absoluta. Assim sendo, devem considerar-se nulos os actos praticados pelo Conselho de Ministros, nos termos do artigo 133.º, 2 b) do CPA. Como tal, não pode o Conselho de Ministros deliberar em substituição daqueles ministros.
Visto o primeiro assunto, importa agora analisar a validade da dispensa de A.I.A. no caso sub judice.
Desde já, é de afastar qualquer justificação da dispensa de A.I.A. que se baseie unicamente na existência de uma previsão no Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais, sujeito a A.I.A. aquando da sua aprovação, da instalação de um parque eólico no mesmo local. De facto, a função da A.I.A. de planos e programas é uma função estratégica, de análise das grandes opções, ao passo que a A.I.A. de projectos tem uma função de avaliação de impacte ambiental tal como eles são executados em concreto (cfr. o mesmo entendimento em “A Avaliação de Planos e Programas: um instituto de reforço da protecção do ambiente no direito do urbanismo”, Fernando Alves Correia, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3946, pp. 4 e ss.
O procedimento de avaliação de impacte ambiental pode ser, de facto, dispensado perante circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas, por iniciativa do proponente e mediante despacho do ministro responsável pela área do ambiente e do ministro da tutela (cfr. artigo 3º do D.L. nº 69/2000). Acresce que deve ser cumprido todo o procedimento exigido pelo artigo 3º do mesmo diploma.
Verificou-se, sem dúvida, o envio de um requerimento de dispensa de A.I.A. devidamente fundamentado e salientando os efeitos no ambiente, por parte do proponente. Faltam, no entanto, os pareceres obrigatórios exigidos pelo artigo 3º do D.L. nº 69/2000, isto é, os pareceres da entidade licenciadora e da C.C.D.R.. Assim sendo, é evidente o vício procedimental que determina a invalidade, na forma de anulabilidade, de todo o procedimento de dispensa de avaliação de impacte ambiental.
O Conselho de Ministros fundamentou a dispensa de avaliação de impacte ambiental no «profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia». Quer-se saber se esta fundamentação se enquadra na noção de “circunstâncias excepcionais devidamente fundamentadas”, conceito indeterminado integrante da margem de livre apreciação da administração.
Na análise do potencial enquadramento da fundamentação do Conselho de Ministros no conceito de “circunstâncias excepcionais devidamente fundamentadas” é essencial que se tenham presentes as limitações da livre apreciação da administração. A margem de apreciação que se reconhece à administração é, obviamente, limitada pelos princípios gerais do direito administrativo e pela lei. Quando este conceito é densificado, importa, portanto, ter em conta todo o circunstancialismo que rodeia o caso concreto, sendo absolutamente necessário que em matéria ambiental se tenha em conta o princípio da precaução.
Em primeiro lugar, o facto de a região de Monte dos Vendavais integrar a Z.P.E. n.º 37 da Rede Natura 2000 de Portugal Continental implica a necessidade da existência de uma avaliação de incidências ambientais, que segue a forma do procedimento de avaliação de impacte ambiental, quando este é aplicável por força da legislação em vigor (cfr. artigo 10º nº 2 a) D.L. nº 140/99 de 24 de Abril). Ora, esta exigência determina a existência de um grau mais elevado de necessidade de ocorrência da avaliação de impacte ambiental. Torna mais exigente, portanto, o conceito de “circunstâncias excepcionais devidamente fundamentadas”, como requisito de dispensa de A.I.A..
Em segundo lugar, o “profundo interesse nacional em causa” e a “necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia” não parecem ser fundamentos integrantes do conceito de “circunstâncias excepcionais devidamente fundamentadas”. Este Tribunal reconhece a real importância de um projecto como este para a modernização energética do país, mas não pode fazer tábua rasa de todos os princípios gerais do Direito do Ambiente que aqui estão em risco. Efectivamente, para que um fundamento seja considerado uma “circunstância excepcional” para efeitos do artigo 3º n º 1 do D.L. nº 69/2000, este tribunal entende que tem de estar verificado o princípio da proporcionalidade, essencialmente na sua vertente de necessidade. Neste caso, não fica demonstrada a falta de alternatividade, isto é, a inexistência efectiva de qualquer alternativa espacial para a instalação do parque eólico. Entendemos nós que, para que estivesse verificado o princípio da necessidade, aquela localização teria de ser a que melhor satisfizesse a realização do fim, com menor prejuízo e maior benefício. Ora, tal não só não ficou provado no presente caso, como, claramente ficou demonstrado que o impacte ambiental da presente obra, essencialmente pelo facto de a região de Monte dos Vendavais integrar a Z.P.E. n.º 37 da Rede Natura 2000 de Portugal Continental, é potencialmente elevado.
Outra questão é a ultrapassagem do prazo para a decisão de dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental (cfr. artigo 3º do D.L. nº 69/2000). Tendo ficado provada a apresentação de um novo requerimento pela Sísifo S.A., no dia 1 de Abril de 2009, que veio substituir o primeiro apresentado a 20 de Janeiro de 2009, a questão da ultrapassagem do prazo não se coloca. Efectivamente, o prazo para decisão não foi ultrapassado. Mas, mesmo que esse prazo tivesse sido ultrapassado, não se pode concluir pela existência de indeferimento tácito. Em primeiro lugar, porque existindo prazo legal para a decisão, não se pode aplicar o artigo 109º do CPA referente à figura do indeferimento tácito. Em segundo lugar, porque, mesmo que aqui se pudesse aplicar o artigo 109º do CPA, este deve-se considerar, hoje, derrogado na parte em que reconhece ao interessado “a faculdade de presumir indeferida [a sua] pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação”, com a introdução da possibilidade de se pedir e obter a condenação judicial da Administração à prática de actos administrativos ilegalmente omitidos (cfr. art. 66º do CPTA). Tal é a posição da grande maioria da doutrina que aqui é seguida por este tribunal.
Conclui-se, portanto, pela invalidade, na figura da anulabilidade, de forma e de substância, da dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental.
D - A constitucionalidade dos artigos 3º do Decreto-Lei nº 69/2000 e 18.º do D.L. n.º 285/2007

O A. “Os Binóculos Felizes” pediu a desaplicação dos artigos 3º do Decreto-Lei nº 69/2000 e 18.º do D.L. n.º 285/2007, com base na sua potencial inconstitucionalidade material, por violação do princípio constitucional da prevenção (cfr. art. 66º nº 2 a) CRP).
Defende o referido A. que “Ao prever-se, por via legislativa, a possibilidade de dispensa de A.I.A. não se assegura a necessária ponderação dos valores ambientais em causa. A dispensa de A.I.A. redunda assim numa dispensa, evidentemente inadmissível, de aplicação do princípio da prevenção, por decisão administrativa discricionária”.
Este tribunal não concorda com estas alegações. Não é verdadeiro que o artigo 3º do Decreto-Lei nº 69/2000 seja aplicado com total discricionariedade. Esse preceito está construído como um meio de acesso excepcional. Ao definir como requisito a existência de “circunstâncias excepcionais (…) devidamente fundamentadas” o legislador estabeleceu uma figura de acesso extraordinária que, apesar de constar da margem de livre apreciação do administrador, não está isenta de limites na sua aplicação. De facto, o Governo ao aplicá-la tem de respeitar o bloco de legalidade, incluindo, obviamente, os princípios constitucionais. É, exactamente, para a preservação do direito constitucional ao ambiente que o legislador definiu apertados requisitos de acesso à figura.
Esta restrição (cfr. artigo 18º CRP) ao direito constitucional ao ambiente deve-se considerar totalmente respeitadora do princípio da proporcionalidade, pois, no caso concreto, a utilização deste meio de dispensa de procedimento de A.I.A. está sempre sujeita a uma ponderação dos valores em presença e ao respeito pelo bloco de legalidade. Portanto, não se poderá, nunca, considerar que existe uma ablação do direito ao ambiente através da utilização desta figura.
Este Tribunal considera, assim, os artigos 3º do Decreto-Lei nº 69/2000 e 18.º do D.L. n.º 285/2007 não inconstitucionais.


E - O reconhecimento do direito à informação do Autor JOÃO CAMPOS DAS NEVES SIROCO

O A. João Campos das Neves Siroco vem requerer o reconhecimento do seu direito de acesso à informação, na medida em que, sendo proprietário de alguns terrenos nas imediações do futuro parque eólico, deve este ser tido como interessado no âmbito do pocedimento administrativo em causa – artigo 100.º CPA.
O direito à informação é um direito fundamental constitucionalmente consagrado no artigo 268.º, 1 e 2. Este direito vem ainda referido nos artigos 61.º - 65.º CPA, bem como na Lei 19/2006, que regula o acesso à informação ambiental, por forma a garantir o princípio da transparência e a responsabilização dos poderes públicos. É de notar especiificamente o artigo 6.º, 1 da LAIA, segundo o qual “as autoridades públicas estão obrigadas a disponibilizar ao requerente a informação sobre ambiente na sua posse ou detido em nome, sem que o requerente tenha de justificar o seu interesse”.
Este tribunal considera provado o envio por parte do Sr. João Siroco de um pedido de acesso à informação sobre o projecto em causa, nomeadamente, o pedido de consulta das plantas. Por outro lado, não se dá por provado o facto de tal pedido ter sido escrito de forma insuficientemente precisa. Assim sendo, deve reconhecer-se o direito do referido A.
F - A questão da indemnização pedida pelo Autor JOÃO CAMPOS DAS NEVES SIROCO

Não sendo as expectativas do A. legítimas, não temos sequer por que avaliar a responsabilidade civil, não havendo lugar a indemnização.


IV. Decisão
Nos termos expostos,
A) Nega-se provimento aos pedidos A), G)e I) do A. «OS BINÓCULOS FELIZES»;
B) Nega-se provimento aos pedidos B) e C) do A. «JOÃO CAMPOS DAS NEVES SIROCO»;
C) Declara-se a anulabilidade do acto administrativo de dispensa de avaliação de impacte ambiental;
D) Condena-se a Sísifo S.A. à apresentação de estudo de impacte ambiental, caso pretenda continuar com o projecto;
E) Declara-se não inconstitucionais os artigos 3º do Decreto-Lei nº 69/2000 e 18º do Decreto-Lei nº 285/2007;
F) Condena-se o Presidente da Câmara de Vilar de Brisa do Mar a praticar o acto adequado a promover a avaliação de impacto ambiental no âmbito do procedimento de licenciamento do parque eólico de Monte dos Vendavais;
G) Condena-se o Presidente da Câmara de Vilar de Brisa do Mar a uma sanção compulsória de 50 euros por cada dia de atraso na promoção da avaliação de impacte ambiental;
H) Declara-se nulo o alvará de licenciamento emitido pelo Presidente da Câmara de Vilar de Brisa do Mar por violação do princípio da audiência dos interessados;
I) Reconhece-se o direito à informação e consequente acesso às plantas e demais documentos do A. JOÃO CAMPOS DAS NEVES SIROCO;
J) Condena-se a (…) ao pagamento de uma indemnização no valor de 100.000 euros ao A. JOÃO CAMPOS DAS NEVES SIROCO por lucros cessantes advindos das expectativas criadas pelo contrato de compra e venda.

Registe-se e notifique-se.
O colectivo de juízes,
Guido Silva Teles
Tânia Neves
Tatiana Lopes