segunda-feira, 18 de maio de 2009

Parecer do ICNB sobre a Instalação de um Parque Eólico em Montes dos Vendavais

1. O presente parecer tem por objectivo avaliar as consequências sobre a avifauna da instalação de um parque eólico com 15 torres de produção de energia no município de Vilar de Brisa do Mar, no lugar de Montes dos Vendavais.

2. O parecer foi pedido ao ICNB pela empresa Sísifo, S.A. em 12 de Maio de 2009.


Matéria Factual

3. A 2 de Setembro de 2007, a Sísifo, S.A. iniciou negociações informais com a Câmara Municipal de Vila de Brisa do Mar com vista à instalação de um parque eólico com 15 torres de produção de energia. Esta instalação seria feita no município de Vilar de Brisa do Mar, no lugar de Montes dos Vendavais.

4. A 10 de Outubro de 2007, foi apresentado ao Governo um pedido para que o referido projecto fosse considerado PIN+ e dispensado de avaliação de impacto ambiental.

5. A 20 de Fevereiro de 2008, o Governo aprovou, através de resolução do Conselho de Ministros, a dispensa de avaliação de impacto ambiental.

6. A 22 de Fevereiro de 2008, o Presidente da Câmara de Vilar de Brisa do Mar emitiu um alvará para o início das obras de instalação do parque eólico em Montes dos Vendavais.

7. A 11 de Maio de 2009, a associação de observadores de pássaros «Os Binóculos Felizes» veio invocar que o terreno se encontra numa área da Rede Natura 2000 – a Zona de Protecção Especial da Ribeira do Verde Gaio.


Matéria de Direito

8. A Rede Natura 2000 é uma rede ecológica para o espaço Comunitário da União Europeia resultante da aplicação das Directivas nº 79/409/CEE (Directiva Aves) e nº 92/43/CEE (Directiva Habitats) e tem por ”objectivo contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados-membros em que o Tratado é aplicável”. Esta rede é formada por Zonas de Protecção Especial (ZPE) e por Zonas Especiais de Conservação (ZEC).

9. As Zonas de Protecção Especial (ZPE) são áreas de importância comunitária no território nacional em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou restabelecimento do estado de conservação das populações de aves selvagens inscritas no Anexo A-I e dos seus habitats, bem como das espécies de aves migratórias não referidas neste anexo e cuja ocorrência no território nacional seja regular, de acordo com o art. 3º/1 o) do Decreto-Lei nº 49/2005, de 24 de Fevereiro.

10. A Directiva Aves e a Directiva Habitats foram transpostas para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei nº 140/99, de 24 de Abril. O seu regime consta actualmente do Decreto-lei nº 49/2005, de 24 de Fevereiro.

11. Segundo o artigo 6º do Decreto-lei nº 49/2005 que importa aqui reproduzir:

“1—A classificação de ZPE reveste a forma de decreto regulamentar e abrange as áreas que contêm os territórios mais apropriados, em número e em extensão, para a protecção das espécies de aves constantes no anexo A-I, bem como das espécies de aves migratórias não incluídas no referido anexo e cuja ocorrência no território nacional seja regular.

2—A classificação de ZPE deve ter em conta as tendências e as variações dos níveis populacionais de:
a) Espécies ameaçadas de extinção;
b) Espécies vulneráveis a certas modificações dos seus habitats;
c) Espécies consideradas raras porque as suas populações são reduzidas ou porque a sua repartição local é restrita;
d) Espécies que necessitem de particular atenção devido à especificidade do seu habitat.”

12. E de acordo com o art. 10º/1 do mesmo Decreto-lei:

“1 - As acções, planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão […] de uma ZEC ou ZPE e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar essa zona de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outras acções, planos ou projectos, devem ser objecto de avaliação de incidências ambientais no que se refere aos objectivos de conservação da referida zona.”

13. O art. 10º prevê ainda no seu nº2 que a referida avaliação poderá seguir o procedimento de avaliação de impacte ambiental, no âmbito da legislação específica em vigor: o Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 197/2005, de 8 de Novembro, que estabelece o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental (AIA).

14. Segundo o nº10 do mesmo artigo, quando essa análise apresenta conclusões negativas face aos objectivos de conservação da ZPE ou ZEC, a realização da acção, plano ou projecto depende da demonstração da ausência de soluções alternativas e da sua necessidade por razões imperativas de reconhecido interesse público por despacho ministerial.

15. Contudo, o nº 11 prevê que quando as conclusões negativas dizem respeito à afectação de um habitat natural ou de uma espécie classificados como prioritários, as razões de interesse público apenas podem ser invocadas por motivos associados à saúde e segurança públicas, consequências benéficas primordiais para o ambiente ou outras razões imperativas de reconhecido interesse público, mediante parecer prévio da Comissão Europeia no último caso.

16. Em qualquer dos casos, deverão ser definidas e aprovadas medidas compensatórias necessárias à protecção da coerência global da Rede Natura 2000 (10º/12).

17. O Decreto-Lei nº 197/2005, de 8 de Novembro estabelece o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental (AIA) dos projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente – art. 1º/1.

18. De acordo com o art. 1º/3 deste diploma estão sujeitos a AIA:

a) Os projectos tipificados no anexo I;
b) Os projectos enunciados no anexo II.

19. O nº4 do art.1º acrescenta que são sujeitos a AIA os projectos elencados no anexo II, ainda que não abrangidos pelos limiares nele fixados, que sejam considerados, por decisão da entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto, susceptíveis de provocar impacte significativo no ambiente em função da sua localização, dimensão ou natureza, de acordo com os critérios estabelecidos no anexo V.

20. São ainda sujeitos a AIA os projectos que em função da sua localização, dimensão ou natureza sejam considerados, por decisão conjunta do membro do Governo competente na área do projecto em razão da matéria e do membro do Governo responsável pela área do ambiente, como susceptíveis de provocar um impacte significativo no ambiente, tendo em conta os critérios estabelecidos no anexo V – art. 1º/5.

21. O Decreto-Lei nº 285/2007, de 17 de Agosto, estabelece o regime jurídico aplicável aos projectos de potencial interesse nacional (PIN) classificados como de importância estratégica e doravante designados como projectos PIN + – art1.º

22. A classificação de um projecto como PIN + é efectuada por despacho conjunto dos ministros responsáveis pelas áreas do ambiente, do ordenamento do território e desenvolvimento regional e da economia, bem como dos demais ministros competentes em razão da matéria – art. 2º/1 e 6/1º.

23. São susceptíveis de classificação como projectos PIN + os projectos que para esse efeito sejam propostos pela comissão de avaliação e acompanhamento dos projectos PIN, prevista na Resolução do Conselho de Ministros n.º 95/2005, de 24 de Maio, adiante designada como CAA-PIN, de entre os projectos candidatos ao reconhecimento como PIN. – art.2º/2

24. A CAA-PIN pode propor a classificação como PIN + dos projectos que preencham os critérios PIN nos termos previstos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 95/2005, de 24 de Maio, e, cumulativamente, os seguintes: - art.2º/3

a) Investimento superior a (euro) 200 000 000, ou, excepcionalmente, a (euro) 60 000 000, no caso de projectos de indiscutível carácter de excelência pelo seu forte conteúdo inovador e singularidade tecnológica ou, tratando-se de um projecto turístico, quando promova a diferenciação de Portugal e contribua decisivamente para a requalificação, para o aumento da competitividade e para a diversificação da oferta na região onde se insira;
b) Utilização de tecnologias e práticas eco-eficientes que permitam atingir elevados níveis de desempenho ambiental, nomeadamente nos domínios da água, dos solos, dos resíduos e do ar, através do recurso às melhores práticas internacionais no respectivo sector;
c) Promoção da eficiência e racionalização energéticas, maximizando a utilização de recursos energéticos renováveis;
d) Integração nas prioridades de desenvolvimento definidas em planos e documentos de orientação estratégica em vigor, designadamente os seguintes: Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável, Plano Tecnológico, Programa Nacional da Política do Ordenamento do Território, Plano Estratégico Nacional do Turismo, Estratégia Nacional para a Energia e Portugal Logístico;
e) Comprovada viabilidade económica do projecto;
f) Comprovada idoneidade e credibilidade do promotor do projecto, bem como experiência reconhecida no sector e capacidade técnica e financeira para o desenvolvimento do projecto.


Apreciação:

25. A Rede Natura 2000 é composta por áreas de importância comunitária para a conservação de determinados habitats e espécies, nas quais as actividades humanas deverão ser compatíveis com a preservação destes valores, visando uma gestão sustentável do ponto de vista ecológico, económico e social.

26. No âmbito desta, no território continental estão classificadas 39 ZPE e 60 ZEC (SIC). Estas áreas classificadas abrangem uma superfície total terrestre de 1 979 519,40 ha, representando cerca de 20,5% do território do Continente, a que acresce uma superfície marinha de 105 308,5 ha.

27. Segue-se uma lista dos locais em Portugal Continental considerados ZPE:

LISTA DAS ZONAS DE PROTECÇÃO ESPECIAL (ZPE) – Portugal Continental

Código Designação Área(ha)

PTZPE0012 Açude da Murta 498
PTZPE0050 Cabo Espichel 3.416
PTZPE0043 Campo Maior 9.579
PTZPE0046 Castro Verde 85.345
PTZPE0015 Costa Sudoeste 74.415
PTZPE0038 Douro Internacional e Vale do Águeda 50.789
PTZPE0011 Estuário do Sado 24.633
PTZPE0010 Estuário do Tejo 44.349
PTZPE0010 Estuário do Tejo 421
PTZPE0001 Estuários dos Rios Minho e Coura 3.393
PTZPE0009 lhas Berlengas 9.560
PTZPE0014 Lagoa de Sancha 409
PTZPE0013 Lagoa de St. André 2.165
PTZPE0049 Lagoa Pequena 69
PTZPE0016 Leixão da Gaivota 0,16
PTCON0002 Montesinho/Nogueira 108.010
PTZPE0045 Mourão/Moura/Barrancos 84.916
PTZPE0006 Paul da Madriz 89
PTZPE0005 Paul de Arzila 482
PTZPE0008 Paul de Boquilobo 433
PTZPE0040 Paul do Taipal 233
PTZPE0004 Ria de Aveiro 51.407
PTZPE0017 Ria Formosa 23.270
PTZPE0037 Rios Sabor e Maçãs 50.688
PTZPE0018 Castro Marim 2.147
PTZPE0007 Serra da Malcata 16.348
PTZPE0002 Serra do Gerês 63.438
PTZPE0042 Tejo Internacional, Erges e Pônsul 25.775
PTZPE0039 Vale do Côa 20.607
PTZPE0047 Vale do Guadiana 76.547
PTCON0037 Monchique 76.008
PTCON0057 Caldeirão 47.286
PTZPE0051 Monforte 1.886
PTZPE0052 Veiros 1.959
PTZPE0053 Vila Fernando 5.260
PTZPE0054 São Vicente 3.565
PTZPE0055 Évora sul 13.521
PTZPE0055 Évora norte 1.186
PTZPE0056 Reguengos 6.043
PTZPE0057 Cuba 4.081
PTZPE0058 Piçarras 2.827

28. Como resulta da enumeração acima, a Ribeira do Verde Gaio não é uma ZPE.

29. Também não são ZPE’s o Município de Vilar de Brisa do Mar, nem o lugar de Montes dos Vendavais, de acordo com a listagem apresentada.

30. Nenhum dos três locais referidos faz parte da Rede Natura 2000 visto que não são ZEP’s nem ZEC’s.

31. Do exposto pode-se concluir que as aves em presença no lugar de Monte dos Vendavais ou na Ribeira do Verde Gaio não são espécies de aves de interesse comunitário cuja conservação requer a designação de zonas de protecção especial. Tais espécies constam do referido anexo A-I do Decreto-Lei nº 49/2005.

32. Quanto à exigência de uma avaliação de incidências ambientais pelo art. 10º/1 do D.L. nº 49/2005, esta não é aplicável ao caso em análise pois o presente projecto não é susceptível de afectar de forma significativa uma ZEC ou ZEP, não se localizando dentro de uma destas zonas e não se encontrando na área em causa as espécies de aves que se visa proteger.

33. No que respeita à sujeição de determinados projectos à AIA pelo art. 1º/3 do D.L. nº 197/2005, o projecto de instalação de um parque eólico com 15 torres de produção de energia não consta da tipificação do anexo I – al.a).

34. Já quanto aos projectos enunciados no anexo II (art. 1º/3 b)) consta do nº 3 relativo à indústria da energia, o tipo de projectos da al. i): aproveitamento da energia eólica para a produção de electricidade. Cabendo a instalação de parques eólicos no âmbito de aplicação do procedimento de AIA. Porém, há especificidades a ter em conta na sua aplicação.

35. O referido DL no seu anexo II nº3 distingue entre o caso geral e áreas sensíveis. São áreas sensíveis de acordo com o art. 2º, al. b):

i) Áreas protegidas, classificadas ao abrigo do DL nº 19/93, de 23 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 227/98, de 17 de Julho;
ii) Sítios da Rede Natura 2000, zonas especiais e zonas de protecção especial, classificadas nos termos do DL nº 140/99, de 24 de Abril, no âmbito das Directivas n.ºs 79/409/CEE e 92/43/CEE;

iii) Áreas de protecção dos monumentos nacionais e dos imóveis de interesse público definidas nos termos da Lei nº 13/85, de 6 de Julho.

36. No caso geral são sujeitos a AIA os parques eólicos com 20 ou mais torres ou localizados a uma distância inferior a 2km de outros parques similares. Nas áreas sensíveis é necessária AIA para parques eólicos com 10 ou mais torres ou localizados a uma distância inferior a 2 km de outros parques similares.

37. Não sendo o lugar de Montes de Vendavais parte duma área sensível para efeitos do art. 2º al. b) do D.L. nº 197/2005, estamos perante um caso geral.

38. Ora, o projecto em questão não tem 20 ou mais torres, só se pretende a instalação de 15 torres e não está localizado a uma distância inferior a 2 km de outros parques similares, sendo um projecto pioneiro no Município de Vilar de Brisa do Mar.

39. Quanto aos números 4 e 5 do art. 1º do D.L. nº 197/2005, o projecto em causa não parece susceptível de provocar impacte significativo no ambiente em função da sua localização, dimensão ou natureza, de acordo com os critérios estabelecidos no anexo V.

40. Para efeitos do nº1 do anexo V, no que respeita às características do projecto, trata-se de um parque eólico de média dimensão (15 torres), único no Município, que utiliza um recurso natural inesgotável – o vento, não polui nem produz outros resíduos e utiliza substâncias e tecnologias que não apresentam risco de acidentes.

41. A localização do projecto também não apresenta desvantagens já que a afectação do uso do solo é razoável numa área de pouca exploração agrícola, não há qualquer desgaste do recurso natural aproveitado, não sendo prejudicial para o ambiente natural. (nº 2 do Anexo)

42. Não se prevendo qualquer impacte potencial (nº 3 do Anexo), resta concluir que o presente projecto não está sujeito ao procedimento de AIA de acordo com o regime jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental.

43. O D.L. nº 285/2007, que estabelece o regime jurídico dos projectos de potencial interesse nacional classificados como PIN +, visa criar condições para atrair os melhores investidores e os melhores projectos, respondendo às crescentes exigências colocadas pelos desafios da modernização e da competitividade.

44. O referido decreto-lei estabelece um mecanismo célere de classificação de projectos de potencial interesse nacional com importância estratégica (PIN +). Uma vez obtida essa classificação, o Governo, em estreita cooperação com as autarquias territorialmente competentes, compromete-se a assegurar uma tramitação célere dos procedimentos autorizativos.

45. As soluções propostas para os projectos PIN + apostam no ambiente como factor de competitividade, assegurando uma análise integrada dos seus impactes ambientais, territoriais, económicos e sociais, por forma a encontrar soluções óptimas de desenvolvimento sustentável.

46. Não entra no escopo deste parecer analisar a possibilidade do projecto apresentado ser considerado PIN+, cabendo tal tarefa aos ministros responsáveis pelas áreas do ambiente, do ordenamento do território e desenvolvimento regional e da economia como foi já referido.

47. Contudo, não deixa de ser evidente que o projecto em questão preencherá pelo menos o critério da utilização de tecnologias e práticas eco-eficientes que permitam atingir elevados níveis de desempenho ambiental, nomeadamente no domínio ar, através do recurso às melhores práticas internacionais no respectivo sector (art. 2º/3 b)). Assim como o critério da promoção da eficiência e racionalização energéticas, maximizando a utilização de recursos energéticos renováveis (art.2º/3 c)).


Conclusão:

48. De harmonia com o exposto somos do parecer que a pretensão da empresa Sísifo, S.A. de instalar um parque eólico com 15 torres de produção de energia no município de Vilar de Brisa do Mar, no lugar de Montes dos Vendavais, não tem qualquer impacto lesivo sobre a avifauna local.

49. Com base na informação disponível actualmente o ICNB não encontra motivos justificativos para que tal pretensão seja recusada com fundamento no DL nº 49/2005, que faz a transposição para o ordenamento jurídico português das Directivas Aves e Habitats.

50. O ICNB conclui que ao nível da protecção do meio ambiente, nomeadamente de certas espécies de aves, o projecto da Sísifo, S.A. não viola os referidos Decretos-Lei nº 49/2005, de 24 de Fevereiro e nº 197/2005, de 8 de Novembro.




A Chefe da Unidade de Espécies e Habitats





(Sara de Lima Pinheiro)