terça-feira, 12 de maio de 2009

PETIÇÃO INICIAL - "OS BINÓCULOS FELIZES". SUBTURMA 5
Sociedade de Advogados, RL
Lex Ambientatis
Avenida Pio XII, n.º 57
7450-286 Portalegre


Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco
Praça Rainha D. Leonor
Edifício dos Emblemas, RC
6000-117 CASTELO BRANCO

Exmo. Sr. Dr. Juiz

A Associação “Os Binóculos Felizes”, organização não-governamental do ambiente, pessoa colectiva n.º 518676429, inscrita no Instituto Português do Ambiente sob o número 878725269, com sede na Avenida da Liberdade, n.º 8, 3.º Esquerdo, 7450-321 Portalegre;

Vem instaurar contra Sísifo, S.A., pessoa colectiva n.º 987587613, inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Faro, sob o n.º 65819209 com sede na Rua Doutor Angelino Lopes n.º 10, 8005-117 Faro;

Contra a Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar, sita na Praça da Batalha, n.º 29, 6994 – 322, Vilar de Brisa do Mar, e

Contra o Conselho de Ministros, com sede no Palácio de S. Bento, Rua de S. Bento, 1250 – 124, Lisboa


a presente acção administrativa especial, à luz do disposto no artigo 46.º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Administrativo, nos termos e com os fundamentos seguintes:


DOS FACTOS

1.º
A Sísifo, S.A., identificada nos autos, é uma empresa que tem por objecto a produção de energia eólica.

2.º
Pretendia instalar um parque eólico no município de Vilar de Brisa do Mar.

3.º
Tal parque eólico seria composto por quinze torres de produção de energia.

4.º
Decorreram negociações informais entre a empresa supra referida e o Presidente da Câmara municipal.

5.º
Na sequência das negociações solicitou-se ao Governo que o projecto fosse considerado não só PIN +,

6.º
Como também, dispensado de avaliação de impacte ambiental (AIA).

7.º
Invocou-se, entre outros, para a dispensa de AIA no caso em apreciação, o facto de o Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais ter sido sujeito a Avaliação Ambiental Estratégica,

8.º
o qual previa uma edificação similar.

9.º
Decorridos quatro meses do exposto, a AIA foi dispensada por resolução do Conselho de Ministros.

10.º
Passados dois dias da publicação, o Presidente da Câmara de Vilar de Brisa do Mar emitiu alvará avalizador do início das obras.

11.º
A Associação de ornitologia “ Os Binóculos Felizes” não pode concordar com esta instalação.

12.º
O terreno encontra-se abrangido na Rede Natura 2000, concretamente na Zona de Protecção Especial (ZPE) da Ribeira do Verde Gaio.

13.º
A área comporta um ecossistema muito rico em avifauna .

14.º
As espécies mais afectadas são:
a) O Gaio – Comum, Garrulus glandarius;
b) O Peneireiro – das – Torres, Falco naumanni;
c) A Águia Imperial Ibérica, Aquila adalberti;
d) O Bufo – Real, Bubo Bubo;
e) A Garça – Grande - Branca, Ardea alba.

15.º
O Gaio – Comum (Garrulus glandarius) é um espécime que não se sente à vontade em zonas abertas. Alimenta-se de bolotas. No Verão, há um surto especialmente intenso de Gaios na zona em apreço.


16.º
O Peneireiro – das – Torres (Falco naumanni ) é uma ave que nidifica em árvores. Dá-se igualmente bem em espaços abertos. Trata-se de uma espécie vulnerável, do ponto de vista do seu risco de extinção.

17.º
A Águia Imperial Ibérica (Aquila adalberti) habita em áreas de sobreiros e azinheiras que existiam em abundância neste terreno. Nidifica nas mesmas árvores. Trata-se também de uma espécie vulnerável.

18.º
O Bufo – Real (Bubo Bubo) é um pássaro que se desenvolve especialmente bem afastado da presença e interferências humanas. Nidifica em troncos de árvores.

19.º
A Garça – Branca - Grande (Ardea alba ) é uma espécie que pode ser encontrada em zonas húmidas, como a presente, havendo bastantes colónias no Alentejo. Nidifica em canaviais e alimenta-se da fauna existente na ribeira.

20.º
Para um projecto de tal envergadura é imprescindível a ocupação de uma extensa área de terreno.

21.º
Nessa mesma área, habitam e têm-se desenvolvido a fauna supra apresentada e descrita.

22.º
Trata-se, na sua maioria, de animais ameaçados.

23.º
O Monte dos Vendavais é uma herdade constituída por 21 hectares.

24.º
Toda a área fica ocupada e nefastamente afectada.

25.º
Nomeadamente, no que concerne à ameaça que o parque eólico representa para a fauna.

26.º
O equilíbrio do ecossistema está seriamente comprometido.

27.º
Estes efeitos vão externalizar-se a curto prazo.


28.º
São eles:

29.º
Muito extensa desflorestação;

30.º
Turbulência provocada pela rotatividade das pás, que dá origem a intensas correntes de vento;

31.º
Provável colisão das aves com as pás das torres,

32.º
Risco este especialmente elevado no que se refere ao Bufo – Real (Bubo bubo), ave nocturna;

33.º
Ruídos nefastos para a avifauna;

34.º
Tal ruído provoca interferências na comunicação e ritual de acasalamento dos animais,

35.º
tendo também repercussões na incubação nos novos espécimes;

36.º
Prejuízo derivado da instalação do parque, nas rotas migratórias dos pássaros;

37.º
Efeito de sombra das pás, prejudicial ao ecossistema.

38.º
Da conjugação destes efeitos vai resultar a destruição da fauna e da (pouca) flora ainda subsistente.

39.º
Nomeadamente a extinção local dos espécimes avícolas.

40.º
Todas as aves enunciadas, com excepção do Gaio – comum, encontram-se abrangidas no âmbito da Rede Natura 2000.

41.º
A inteligência extintora do Homem põe, mais uma vez, em causa, a manutenção da estabilidade biótica.

42.º
Bem bastam já as actividades indispensáveis à subsistência da espécie humana e que, numa lógica de ponderação, conduzem ao desaparecimento dos espécimes animais.

43.º
Este tipo de projecto, embora reconhecidamente importante na criação de alguns fluxos financeiros, não é certamente indispensável ao desenvolvimento da região.

44.º
Apesar de o Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais já sujeito a AAE prever uma instalação do género, tal avaliação já é antiga e desactualizada face às alterações entretanto ocorridas no ecossistema.

45.º
Tendo em conta ser esta uma área sensível, ainda menos se compreende a presente instalação.

46.º
Considerando que os sítios da Rede Natura 2000, a par das áreas protegidas são espaços fundamentais para a conservação da natureza e da biodiversidade, defende-se que estas zonas naturais mais vulneráveis devem ser devidamente preservadas.




DO DIREITO

47.º
Nos termos da Lei 35/98 de 18 de Julho, nomeadamente do seu art. 2.º/1 a Associação “Os Binóculos Felizes”, é uma associação não governamental do ambiente (ONGA).

48.º
Tem legitimidade, nos termos do art. 9.º/1 da Lei 35/98 para despoletar os procedimentos de defesa do ambiente.

49.º
A sua legitimidade para propositura de acções judiciais vem concretamente apresentada no art. 10.º, alíneas a) e c) da Lei 35/98, bem como, no art. 2.º/1 da Lei 83/95, de 31 de Agosto e ainda no art. 55.º/1 al. c) do CPTA.

50.º
A participação popular no procedimento administrativo está, de resto, assegurada pelo art. 1.º/1 da Lei 83/95.
51.º
No n.º 2 do mesmo artigo define-se como interesse protegido a defesa do ambiente, tendo a acção popular administrativa por escopo, a protecção deste interesse, como refere o art. 12.º/1 da mesma Lei.

52.º
À luz do art. 3.º da Lei 83/95, a legitimidade está assegurada – a Associação “Os Binóculos Felizes” preenche os requisitos enunciados.

53.º
Nos termos do art.º 4.º/1 da Lei 83/95, o direito de prévia audiência quanto à realização do projecto foi violado.

54.º
Atenta a definição de obra presente no art. 4.º/3 da referida Lei é manifesto o impacte ambiental do projecto em questão.

55.º
Tão pouco houve lugar à disponibilização aos interessados, como o era a Autora, dos estudos e elementos preparatórios citados no art. 6.º/1 da Lei 83/95.

56.º
Foi igualmente preterido o direito de audição dos interessados, consagrado no art. 8.º do mesmo diploma.

57.º
É manifesto que não foi observado o disposto nos artigos 1.º, 2.º/1, 4.º/1 al. e) e 5.º da Lei 46/07, de 24 de Agosto, que consagra o direito ao acesso aos documentos administrativos.

58.º
Não está preenchido o âmbito de aplicação do art. 6.º da Lei mencionada.

59.º
Para além da previsão geral, a Lei 19/06, de 12 de Junho, regula especificamente o acesso à informação em matéria ambiental, nos termos do seu art. 1.º.

60.º
Não foi também observado este normativo legal, no que se refere aos seus objectivos, consagrados no art. 2.º, nem à obrigação de disponibilização de informação que a mesma impõe às autoridades públicas no art. 6.º da Lei referida anteriormente.

61.º
O art. 66.º/1 da CRP consagra um direito fundamental ao ambiente.

62.º
Concretamente, a alínea c) do n.º 2 do artigo acima referido tem aqui aplicação.

63.º
Concretizando a CRP, a Lei 11/87 de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente) enuncia no seu art. 2.º/1 o direito de todos os cidadãos “a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado” e “o dever de o defender”.

64.º
A fauna é uma componente ambiental natural, como prevê o art.6.º al. f), e a sua protecção vem desenvolvida no art. 16.º.

65.º
O art. 28.º da LBA, prevê a elaboração de uma estratégia nacional de conservação da natureza, que está materializada no Decreto – Lei 142/08, de 24 de Julho.

66.º
Do mesmo modo, o art. 29.º da LBA estabelece a implementação de uma rede de áreas protegidas, lugares, sítios, conjuntos e objectos classificados. No que concerne às áreas classificadas rege o disposto no Decreto – Lei 140/99, de 24 de Abril.

67.º
Em referência ao artigo 64.º da PI, o art. 9.º do Decreto – Lei 142/08 integra no sistema nacional de áreas classificadas, os sítios da Rede Natura 2000.

68.º
O art. 25.º/2 do mesmo Decreto – Lei, distingue, no âmbito da Rede Natura 2000, as áreas classificadas como zona especial de conservação (ZEC) e áreas classificadas como zona de protecção especial (ZPE). Esta distinção também é feita no art. 4.º do Decreto – Lei 140/99.

69.º
A Ribeira do Verde Gaio enquadra-se numa área de ZPE, definida no art. 3.º/1 al. o) do último Decreto – Lei referido.

70.º
É notória a atenção conferida pelo diploma a todas as espécies de aves - nomeadamente as indicadas no artigo 14.º da PI – à luz do disposto no art. 2.º/1 al. a) que remete para o Anexo – A1.

71.º
A classificação como ZPE tem por fim primordial a protecção das espécies avícolas, como dispõe o art. 6.º/1, com especial incidência, nas situações descritas no n.º 2.

72.º
É elemento integrante do conceito de ZPE a existência de medidas destinadas a evitar a deterioração dos habitats e as perturbações que lesam as aves.

73.º
Indubitavelmente, e numa concretização do art. 2.º/1 al. a), o art. 11.º/1 vem elencar nas suas várias alíneas actos proibidos que interfiram com o desenvolvimento e o habitat natural das aves.

74.º
Designadamente, é proibido “perturbar esses espécimes, nomeadamente durante o período de reprodução, de dependência, de hibernação e de migração”;

75.º
“Destruir, danificar, recolher ou deter os seus ninhos e ovos, mesmo vazios”;

76.º
“Deteriorar ou destruir os locais ou áreas de reprodução e repouso dessas espécies”.

77.º
É notório que a construção do parque eólico viola todas as proibições anteriores, sendo manifestamente ilegal.

78.º
O regime excepcional do art. 20.º não se aplica.

79.º
No que se refere à avaliação do impacte ambiental, a al. g) do n.º1 do art. 27.º da LBA, institui como instrumento da política de ambiente, a avaliação prévia do impacto provocado pela construção de infra-estruturas.

80.º
Uma primeira referência, genérica, aos estudos de impacte ambiental vem prevista nos arts. 30.º e 31.º da LBA.

81.º
A construção do parque eólico está expressamente sujeita à avaliação de impacte ambiental, por via do art. 1.º/3 al. b), em conjugação com a al. i) do n.º 3 do Anexo II do Decreto – Lei 69/00, de 3 de Maio.

82.º
No caso vertente como a Ribeira do Verde Gaio é um sítio da Rede Natura 2000, é também uma área sensível para efeitos do art. 2.º al. b), ii).


83.º
A AIA é uma manifestação prática do princípio da precaução.

84.º
Tal princípio significa que o ambiente, numa lógica de longo prazo, tem a seu favor uma ”presunção verde”- in dubio pro ambiente.

85.º
Esta presunção traduz que, mesmo na ausência de provas científicas que fundamentem o nexo causal entre a actividade humana e o dano ambiental considerável e irreversível, na dúvida deverá haver abstenção do acto potencialmente lesivo.

86.º
Todavia, a interpretação deste princípio não pode ser levada ao extremo, sob pena de boicotar a actividade económica.

87.º
A interpretação deve ser racional numa lógica de ponderação de interesses.

88.º
Este princípio implica também uma inversão do ónus da prova.

89.º
Neste sentido, a prova do carácter não lesivo da actividade cabe a quem a pretenda desenvolver.

90.º
O princípio da precaução está intimamente ligado com o princípio do desenvolvimento sustentado.

91.º
Deste modo, pretende-se que no futuro os valores ambientais sejam geridos de forma racional, sem lesões permanentes, não sendo, contudo, coarctado o desenvolvimento económico.


Por estes motivos:
A Autora pede a condenação na anulação dos actos que permitem a construção do parque eólico à luz da conjugação do disposto no arts. 46.º/2, 50.º/1, 51.º/1 e 52.º do CPTA.


A legitimidade passiva está assegurada pelos arts. 10.º e 57.º do CPTA.
Valor da acção: superior a €20.000.000,00 (arts. 33.º, al. a) CPTA e 6.º/5 ETAF).


Junta-se em anexo:
. Uma procuração forense
. Comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial