sexta-feira, 29 de maio de 2009

Acórdão Subturma 1 e 3

Processo: 6273/2009
Data do acórdão: 26/11/09
Tribunal: Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
Relatores: Carlota Cravo, Maria João Romba, Daniel Cardoso, Sofia da Cruz Correia
Descritores: Impugnação de Acto Administrativo; Avaliação de Impacte Ambiental; Rede Natura 2000.
Nº Convencional: JSTA817P8053
Nº de Documento: SB12787236920169
Autores: - João Siroco
“Os Binóculos Felizes”
Junta de Freguesia de Montes de Vendavais
Réus: Sísifo, SA
Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar
Conselho de Ministros
Votação: Unanimidade

Os autores:

João Moamed Siroco, residente na Rua Miguel Lupi, 12 – 6º, 1200-725, Monte Vendavais.

Associação “Os Binóculos Felizes”, sita na Rua da Liberdade nº25, 1500-555 Montes dos Vendavais, NIPC 445627489, representada legalmente por Maria Albertina Santos.

Emílio Brontë, casado, portador do bilhete de identidade n.º 12345678, emitido em 10/10/2007, pelo Arquivo de Identificação de Vilar de Brisa do Mar, contribuinte fiscal n.º 789456123, residente na Rua dos Agricultores, n.º 9, R/C Esquerdo, 1000-650 Vilar de Brisa do Mar, Presidente da Junta de Freguesia de Monte dos Vendavais, pessoa colectiva de direito público, com sede na rua dos Agricultores, n.º 10 1000-630 Vilar de Brisa do Mar, representado pelos Exmos. Srs. Drs. Gabriela Alves e Rui Duarte, ambos com domicílio profissional na rua das Flores, n.º 40, 5.º Direito, 1542-450 Lisboa.

Os réus:

“ Sísifo S.A.”, pessoa colectiva, com sede na Av. Dos Aliados, nº50, 1500-378 Vilar de Brisa do Mar, registada sob o nº 10510/991030 no RNPC, representada legalmente pelos Exmos. Srs. Drs. Arnaldo Miguel Bernardes Ventura, Dr. José Vieira Bento, ambos com domicílio profissional na Av. Da Republica, n.º 10-5.º, 1050-100 Lisboa.

Rodolfo Amorim, na qualidade de Presidente da Câmara de Vilar de Brisa do Mar, contribuinte fiscal número 001 658 974, casado com Beatriz Maria Amorim, residente na Rua das Alfaces, nº 7 r/c direito, 1000 600 Vilar de Brisa do Mar, representado legalmente pelas Exmas. Dras Sofia Brito e Patrícia Marques ambas com domicílio profissional na Rua do Comércio – Galerias Ecovil, 2º sala 5 – 1600 Lisboa.

O Conselho de Ministros, neste acto representado por Arnaldo Ventura Pexinho, portador do bilhete de identidade 17353478, declara que constitui seus bastantes procuradores os exmos. Senhores Dr. António Al Berto, Dr. Grant Morrison, ambos com domicilio na Rua Charlotte Simmons, nº16, 2700-345, Trajouce.


DOS PEDIDOS:


- João Moamed Siroco (doravante A1) alegou a violação do dever de audiência dos interessados, na qualidade de proprietário de um terreno contíguo àquele onde estaria projectado a construção do parque eólico. O A1 alegou que seria interessado nos termos do artigo 9.º CPTA, 100.º e ss. CPA, bem como segundo o artigo 8.º CPA.
Igualmente o A1 sustentou a nulidade do alvará emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar, por falta de fundamentação, assim como devido a desvio de poder.
A1 pretendia ainda a condenação da Administração à prática do acto devido em decorrência à recusa da prestação de informação ambiental, de acordo com o artigo 61.º e ss. CPA e números 1 e 2 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa.


- A associação “Os Binóculos Felizes” (A2) pretendia a declaração de nulidade da Resolução do Conselho de Ministros que autorizava a construção do parque eólico, sem a necessária Avaliação de Impacte Ambiental.
Consequentemente almejava a invalidade do alvará emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar.


- Emílio Brontë, Presidente da Junta de Freguesia de Monte dos Vendavais (A3) deseja obter a declaração de nulidade do acto de deferimento da dispensa de Avaliação de Impacte Ambiental por violação do Direito Fundamental do Ambiente, consagrado no artigo 66.º da CRP.
A3 concretiza também a declaração de nulidade do alvará e a suspensão de eficácia (com base na nulidade do acto de deferimento de dispensa de AIA antecedente), respeitando as alíneas a), iii) e e) do n.º1 do artigo 24, as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 46.º, do n.º 1 do artigo 51.º, a alínea c) do n.º 1 do artigo 55.º, a alínea a) do n.º 2 do artigo 112.º, os números 1 e 2 do artigo 113.º e a alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 114.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).


Em resposta alegaram os réus na contestação:


- A empresa Sísifo, S.A. (R1) sustenta a regularidade do procedimento de dispensa de AIA, mediante a respectiva aprovação pelo Governo através de resolução do Conselho de Ministros.
A R1 alega a exclusão do terreno da Rede Natura 2000 e consequentemente a obrigação de sujeição a AIA. No entanto, e subsidiariamente, apresentaram um requerimento ao Ministro do Ambiente visando obter uma possível dispensa de AIA no caso de se verificar a sua inclusão na referida área sensível.


- O Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar (R2) solicita o reconhecimento da propriedade do terreno proposto para a construção do parque eólico como sendo património do Município; deste modo sustenta que o terreno em causa nunca lhe pertenceu nem que o dito tenha sido vendido à empresa Sísifo, S.A.; como tal baseia-se na existência de uma doação prévia em benefício do Município de Vilar de Brisa do Mar.
O R2 contesta a inexistência de audiência dos interessados, tal como a recusa de prestação de informações relativas ao projecto (plantas) ao A1, relevando nesta sede a falta de comparecimento do mesmo para a sua obtenção.
Relativamente à dispensa de AIA, R2 afirma o cumprimento de todos os trâmites legais, devido à previsão anterior em Plano de Pormenor do Monte dos Vendavais de uma instalação do género daquela do parque eólico considerado naquele espaço concreto.


- O Conselho de Ministros (R3) sustenta a exclusão do terreno em que estava projectado o parque eólico da Rede Natura 2000. Alega que tal área de protecção existe mas confina-se aos terrenos adjacentes e que a consideração de que o terreno visado pelos Autores se inclui na área sensível constitui um erro manifesto.
Em consequência negam também a sujeição a AIA, tendo no entanto realizado uma comunicação à Comissão Europeia no sentido da existência de uma dispensa de AIA, correctamente efectuada mediante resolução do Conselho de Ministros.
R3 procede à qualificação do número máximo de torres permitidas como limite de construção e daí retira que não se aplica o regime do Decreto-Lei 69/2000, com a alteração e republicação pelo Decreto-Lei 197/2005.


Cumpre agora decidir:


DOS FACTOS ASSENTES

A) Apresentação ao Governo de um pedido de classificação de um projecto de um parque eólico previsto no Município de Vilar de Brisa do Mar como Projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN+) e dispensa de AIA;
B) Existência de um Plano de Pormenor prévio relativo ao Monte dos Vendavais;
C) Sujeição do Plano de Pormenor a AIA estratégica;
D) Aprovação através de resolução do Conselho de Ministros da dispensa de AIA baseada “no profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia”;
E) Emissão de alvará pelo Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar para início de construção do parque eólico, dois dias após a aprovação da resolução do Conselho de Ministros;
F) Existência da Zona de Protecção Especial da Ribeira do Verde Gaio – Rede Natura 2000 no Município de Vilar de Brisa do Mar;
G) A1 habita no Monte dos Vendavais;
H) A1 desenvolve toda a sua vida familiar e profissional na localização referida;
I) A1 apresentou um requerimento de pedido de plantas à Câmara;
J) Recusa momentânea de acesso às plantas sob condição de futura apresentação das mesmas ao requerente devido a rectificação imperiosa;
K) A1 não compareceu à audiência dos interessados;
L) A associação “Os Binóculos Felizes” não prossegue fins lucrativos;
M) A2 desenvolve actividades de observação e estudo de espécies raras de aves em Monte dos Vendavais;
N) A3 deu uma entrevista no dia 15 de Agosto de 2008 ao jornal local “Semeador de Ventos”;
O) R1 é uma empresa com sede em Portugal;
P) Existência de uma deliberação de instalação de um parque eólico com 15 torres de energia;
Q) O parque visa a captação e aproveitamento de energia eólica, com as seguintes características: 15 aerogeradores assíncronos com a potência unitária de 2000 kW (2 150 kVA); 15 postos de transformação e seccionamento, equipados com transformadores de potência unitária de 2 500 kVA, 0,69/20 kV; subestação equipada com um transformador de potência de 26 000kVA, 20/60 kV; rede de cabos subterrâneos de 20 kV que interliga os postos de transformação e a subestação; um transformador para os serviços auxiliares de 25 kVA, 400/230V; e, respectivo equipamento de comando, corte, protecção e medição;
R) O terreno objecto da construção do parque eólico é da titularidade do Município de Vilar de Brisa do Mar desde 1999; a R1 não adquiriu o terreno através de um título translativo de propriedade;
S) Existência de negociações informais entre os representantes de R1 e R2;
T) Celebração de um contrato de concessão de direito real de uso por um período de 50 anos no valor de 60 milhões;
U) A necessidade na aposta de energias de fontes renováveis é um aspecto fundamental das sociedades desenvolvidas o como a portuguesa, constituindo uma das tarefas do Estado Português;
V) A energia eólica como energia verde, tem um menor impacto ambiental que outras formas de energia; Portugal é dependente de energias fósseis;
W) Realização de diversos estudos comparativos dos efeitos do projecto no ambiente;


FACTOS CONTROVERTIDOS


A) Emissão dos avisos de recepção relativos à convocação de A1 para a audiência dos interessados;
B) Localização efectiva do terreno para efeito da Rede Natura 2000;
C) Carácter público e regular das negociações formais entre R1 e R2;
D) Procedimento pré-contratual acordado;
E) Modalidade de pagamento da contrapartida anual de R1 a R2 em virtude do contrato celebrado;
F) Efeitos ambientais do parque eólico: fauna e flora, poluição sonora e impacto visual;
G) Efeitos humanos do parque eólico: económicos, demográficos, criação de emprego e turísticos;
H) Possibilidade de localizações alternativas do parque eólico;
I) Fundamentos da dispensa de AIA;
J) Data da aprovação e publicação da resolução do Conselho de Ministros relativa à dispensa de AIA;
K) Comunicação à Comissão Europeia da dispensa de AIA;
L) Previsão suficientemente caracterizada no Plano de Pormenor da instalação de um projecto daquela natureza;
M) Garantia de prevenção de lesões futuras do projecto no meio ambiente;


DO DIREITO


I) Legitimidade das Partes

1. Estamos perante uma acção administrativa especial (art. 46º e ss. CPTA), com vista à impugnação de acto administrativo e quanto à legitimidade activa (art. 9.º e art. 55.º,nº1, al.a) CPTA):
no que concerne ao A1 este tem interesse pessoal na demanda (art. 9.º, n.º 2 e art. 55.º, nº1, al.f)CPTA) pela defesa do ambiente nos termos previstos na Lei (Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto), nomeadamente no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 12.º, n.º 1, bem como mediante o artigo 14.º, n.º 1 da Lei 19/2006 de 12 de Junho – LAIA;
em relação à A2 este tem interesse pessoal na demanda (art. 9.º, n.º 2 CPTA e art.55, nº1, al.f)) pela defesa do ambiente nos termos previstos na Lei (Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto), nomeadamente no artigo 3.º, al. b) e art. 12.º, n.º 1;
A3 tem interesse pessoal na demanda (art. 9.º, n.º 2 CPTA) pela defesa do ambiente nos termos previstos na Lei (Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto), nomeadamente no artigo 3.º, al. b) e art. 12.º, n.º 1; e também pela defesa das autarquias locais, como previsto na Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro);
2. Da legitimidade passiva (art. 10.º CPTA):
relativamente a R1, esta apresenta-se como parte no âmbito de uma relação jurídico-administrativa com uma autarquia local, bem como com o Estado Administração (art. 10.º, n.º 7 CPTA);
quanto a R2 esta constitui uma Pessoa Colectiva de Direito Público de População e Território e responde perante as acções ou omissões dos seus órgãos em sua representação (art. 10.º, n.º 2 CPTA);
comparativamente a R3 estamos perante um acto proveniente de um órgão colegial que é imputável ao Estado – Conselho de Ministros – (art. 10.º, n.º 2 CPTA).

II) Cumulação de Pedidos (art. 47.º CPTA)

1. No que toca a A1 este formula dois pedidos: um pedido de anulação (art. 50.º, n.º1 e art. 51.º, n.º1 CPTA) de recusa das informações e consequente prática do acto devido (art. 47.º, n.º 2, al. a) CPTA), outro pedido que constitui a declaração de nulidade do alvará emitido pela Câmara Municipal (art. 47.º, n.º 1 CPTA), na medida em que ambos os pedidos apresentam uma relação material de conexão, consubstanciada no art. 4.º, n.º 1 CPTA e são formulados de modo simples contra o R2.
2. Relativamente a A2 esta formula dois pedidos: um pedido de anulação (art. 50.º, n.º1 e art. 51.º, n.º 1 CPTA) da resolução do Conselho de Ministros e outro pedido relativo à anulação do alvará emitido pelo Presidente da Câmara de Vilar de Brisa do Mar (art. 47.º, n.º 4 a)); estão preenchidos os pressupostos para a existência de uma coligação passiva nos termos do artigo 12.º, nº1 a) por ser dirigido conjuntamente contra dois demandados;
3. Em relação a A3 esta formula três pedidos, um pedido de anulação da resolução do Conselho de Ministros; outro pedido relativo à anulação do alvará emitido pelo Presidente da Câmara de Vilar de Brisa do Mar (art. 47.º, nº4 a)) e uma providência cautelar (arts. 112.º e ss. do CPTA) nomeadamente a suspensão da eficácia de um acto administrativo – alvará (art. 112.º, n.º 2, al. a) do CPTA).
4. Os RR pretendem ver a acção ser julgada improcedente quanto a todos os pedidos efectuados sendo confirmada a regularidade e consequente legalidade de todos os procedimentos de onde tenham derivado actos administrativos ora impugnados.

5. Por conveniência do processado e tendo em conta a natureza impugnatória dos pedidos feitos em cumulação procede-se oficiosamente à apensação de processos (art. 61.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1 e 3).


III) Da Impugnação da Resolução do Conselho de Ministros

1. Em análise a apresentação ao Governo de um pedido de classificação de um projecto de um parque eólico previsto no Município de Vilar de Brisa do Mar como Projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN+) e dispensa de AIA;
2. Os requisitos para que um projecto seja reconhecido como PIN+ encontram previsão no Decreto-Lei n.º 285/2007 de 17 de Agosto de 2007, nomeadamente no art. 2.º, n.º 3, als. a) até f), apresentado feição cumulativa.
3. Na avaliação do projecto do parque eólico o investimento teria que ser superior a 200.000.000€ ou excepcionalmente 60.000.000€ ponderando elementos de desenvolvimento, de acordo com o art. 2.º, n.º 3, al. a). No caso em apreço não obstante o investimento previsto no contrato se situar abaixo dos 200.000.000€ estão cumpridos os elementos excepcionais que permitem a consideração de um projecto como PIN+ - “excelência pelo seu forte conteúdo inovador e singularidade tecnológico”.
4. A exigência do artigo 2.º, n.º 3, als. b), c) e d) verifica-se subsumida ao caso concreto pela utilização de tecnologias e práticas eco-eficientes do ar, eficiência e racionalização energéticas e integração nas metas fixadas em parâmetros globais.
5. Poderia questionar-se o preenchimento das alíneas e) e f) do art. 2.º, n.º3 tendo em conta a exigência e viabilidade económica do projecto e credibilidade no mercado a nível técnico-financeiro; os dados apresentados revelam a mobilização de capitais e a promoção de investimento num sector frágil como é o das energias renováveis; e de igual maneira não existem razões ponderosas que excluam a credibilidade da empresa Sísifo, S.A. do mercado em questão.
6. O procedimento a seguir na obtenção do reconhecimento como sendo PIN+ rege-se pelos arts. 3.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 8/2005 de 17 de Agosto de 2005 e deveria ter sido precedido de um requerimento à Comissão de Avaliação e Acompanhamento dos projectos PIN (CAA-PIN) e não ao Governo como executou a R1, contendo os elementos demonstrados no art. 3.º, n.º 2 al. a) a d), nomeadamente a proposta de eventual dispensa de AIA nos projectos a ela submetida obrigatoriamente – art. 3.º, n.º 2, al. c) e art.º 18.º, bem como de licença ambiental perante uma afectação do sítio pertencente à Rede Natura 2000.
7. Qualquer procedimento de reconhecimento de PIN+ implicaria sempre uma audição prévia das câmaras municipais territorialmente competentes de forma a promover a articulação com eventuais instrumentos municipais do território vigentes (art. 4.º, n.º2). De notar que esta formalidade não foi de todo seguida e tal releva na confrontação de um Plano de Pormenor que já vigorava em Monte dos Vendavais e que fora anteriormente submetido a AIA estratégica nos termos do Decreto-Lei n.º 232/2007 de 15 de Junho de 2007, prevendo uma possível estrutura similar.
8. O procedimento levado a cabo pelo CAA-PIN seria entregue aos ministros competentes em razão da matéria na forma de uma proposta devidamente fundamentada, possibilitando posteriormente a sua consulta no sítio oficial da Internet, contendo toda a informação disponível para os interessados que respeita à actividade económica e localização prevista (art. 5.º).
9. O procedimento finda com a emissão de um despacho conjunto pelos ministros responsáveis pelo Ambiente, Ordenamento do Território, da Economia e de outros competentes em razão da matéria. O conteúdo desse acto deveria ter incluído obrigatoriamente a fundamentação da classificação (art. 6.º, n.º 4, al. a)), a identificação dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis, neste caso o Plano de Pormenor do Monte dos Vendavais (art. 6.º, n.º 5, al. a) e n.º 7, remetendo para o art. 20.º), a eventual sujeição do projecto a AIA ou relativa dispensa da mesma (art. 6.º, n.º 5, als. e) e f)).
10. A decisão de reconhecimento de um projecto como PIN+ não é constitutiva de direitos (art. 7.º, n.º 2) e condiciona o ulterior desenvolvimento dos procedimentos administrativos incidentais que assumirão um regime especial quer em relação a diplomas avulsos quer em relação ao próprio CPA.
11. Não obstante o processo de reconhecimento de um projecto como PIN+ revestir natureza urgente sempre teria que ser cumprido o prazo e os trâmites de consulta e publicitação do procedimento (art. 14.º).
12. A imposição de AIA a título incidental no processo de reconhecimento de um projecto como sendo PIN+ ocorre de modo simultâneo com os outros procedimentos com a especialidade de redução dos prazos previstos nos n.os 3, 4 e 7 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 69/2000 de 3 de Maio e uma eventual dispensa sempre se integra no despacho proferido nos termos do art. 6.º (arts. 17.º e 18.º).
13. Conclui-se pela violação das formalidades de impulso procedimental dado que a R1 apresentou a proposta do projecto ao Governo quando a deveria ter dirigido à CAA-PIN; a apresentação de uma proposta a um órgão incompetente inquina o acto emitido contendo uma eventual dispensa de AIA bem como a decisão material de deferimento ou de indeferimento; adiante será discutida a necessidade de submissão de AIA e eventual inclusão na Rede Natura 2000.

14. A resolução do Conselho de Ministros deveria ter tido em conta a existência de um Plano de Pormenor anterior.
15. Os Planos de Pormenor encontram consagração na Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo, a Lei n.º 48/98 de 11 de Agosto, sendo um instrumento de gestão territorial (art. 8.º, al. b)) e de planeamento territorial de natureza municipal (art. 9.º, n.º 2, al. c)).
16. Os Planos de Pormenor visam a concretização da organização espacial de uma qualquer área específica de um modo detalhado abrangendo todos os programas de execução que envolvam alterações do ordenamento do território (art. 90.º e 91.º) nos termos do Decreto-Lei n.º 89/99 de 22 de Setembro. É condição de validade dos diversos instrumentos de gestão territorial a sua compatibilidade com outros de nível hierárquico superior (art. 101.º) tendo subjacente o artigo 9.º, n.º 4 da Lei 48/98, que privilegia os instrumentos de natureza especial, isto é, os planos especiais de ordenamento do território (art. 9.º, n.º 4) sob pena de nulidade (art. 103.º do Decreto-Lei 380/99).
17. O Plano de Pormenor foi alvo de AIA estratégica pelo Decreto-Lei n.º 232/2007 aquando da sua elaboração (art. 3.º, n.º 1, al. c)) e tal procedimento depende de consulta pública (art. 7.º, n.º 7 e 8); a elaboração do Plano de Pormenor e subsequente AIA necessitam de conter um nível de pormenorização e informação cujo relatório identifique os efeitos significativos no ambiente (art. 6.º, n.º 1 e concretização no Anexo).
18. Alegadamente as partes invocam a inexigibilidade de nova AIA obrigatória devido à sujeição do Plano de Pormenor a AIA e ao facto de este já conter uma instalação do género. A exigibilidade de AIA está directamente relacionada com o nível de concretização com que tenha sido prevista o possível parque eólico – “de forma suficientemente detalhada’’ (art. 13.º, n.º 4); no preâmbulo aponta-se no sentido da necessidade de densificação dos elementos já previstos no Plano de Pormenor que contassem com a construção do parque eólico, mas logo se alvitra que não reveste natureza vinculativa, apenas exigindo uma eventual divergência entre a avaliação ambiental de planos feita e a decisão do procedimento de AIA de um projecto. Por maioria de razão a não vinculatividade absoluta de uma AIA posterior a outra anterior demonstra que a elaboração de uma AIA estratégica de um plano não é impeditiva de que haja obrigatoriedade de submissão de um determinado projecto a AIA; em alternativa deveria ter sido escolhida a simultaneidade de avaliações.
19. Em concreto a previsão “de uma instalação daquele género” não cumpre manifestamente os requisitos exigidos para uma confirmação de AIA já executada e sempre teriam de ser determinados os graus de pertinência da afectação do Monte dos Vendavais.

20. Quanto à Rede Natura 2000 colheram-se argumentos divergentes quanto à localização do terreno nesta área sensível.
21. A classificação do sítio como pertencente à Rede Fundamental para a conservação da natureza e neste caso concreto a inserção na Rede Natura 2000 remete para o conteúdo das espécies a proteger numa área com estas características.
22. A Rede Natura 2000 prevista no Decreto-Lei 140/99 de 24 de Abril comporta duas zonas de protecção: a zona especial de conservação (ZEC) e a zona de protecção especial (ZPE), art. 3.º, n.º 1, als. n) e o); a ZPE da Ribeira do Verde Gaio visa a protecção de aves migratórias que beneficiem da manutenção ou restabelecimento de habitats selvagens (art. 6.º).
23. A inclusão do terreno na Rede Natura 2000 não está tanto dependente da existência de marcos artificias tal como alega o R3; o cerne da questão reside em saber se as espécies existentes no local consubtanciam a exigência de delimitação de uma área sensível.
24. Perante os pareceres apresentados por A2 e R1 e com base em demonstradas conclusões verifica-se que: enquanto o estudo de Vida Verde – Centro Regional de Protecção de Fauna e Flora refere as espécies “Circaetus Gallicus”, “Bubo Bubo” e “Sylvia Undata” nos anexos fornecidos por A2 já R1 no estudo encomendado ao Instituto de Ornitologia de Vilar de Brisa do Mar refere apenas a existência do pardal, mandarim, rouxinol e estorninho; ambos os estudos evidenciam uma avaliação temporal equilibrada e a problemática da afectação das aves como uma questão relevante.
25. Denota-se que o estudo elaborado a pedido de R1 foi realizado num período anterior a 19/02/08 (data da observação); constitui um facto notório (art. 514.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) que as aves migratórias apenas se dirigem ao Hemisfério Norte após o Equinócio da Primavera. Logo fica comprovada a inexistência no período em análise de qualquer espécie relevante para efeitos de Rede Natura 2000. Igualmente, não tendo contestado o parecer que refere as espécies supra citadas pelo estudo e dado que estas espécies integram o Anexo A-I considera-se toda a área em que o terreno está inserido como pertencendo à Rede Natura 2000.
26. A classificação como Rede Natura 2000 não é impeditiva da realização de edificações como bem salientam os réus. Porém para efeitos de sujeição a AIA tal acarreta consequências.

27. Foi dado como assente que o parque envolveria a construção de quinze aerogeradores. A sujeição do parque eólico a AIA sempre dependeria da sua inclusão no âmbito material de aplicação (art. 1.º, n.º 3, al. b) de acordo com o Decreto-Lei 69/2000).
28. Não corresponde aos factos alegados por A2 que o regime do Decreto-Lei 69/2000 coloca como limite de construção o valor de dez torres eólicas. O Anexo II apenas delimita a obrigação de sujeição a AIA; seguindo o raciocínio supra citado quanto à Rede Natura 2000 a construção projectada de 15 torres eólicas estaria submetida a AIA pela natureza de área sensível.
29. O pedido feito por R1 para obtenção de dispensa de procedimento de AIA tem por base “circunstâncias excepcionais” (art. 3.º, n.º 1) que o referido Réu concretiza com o elevado interesse nacional do projecto e a necessidade de diversificação das fontes de energia nacionais.
30. O que haja por ser entendido por “circunstância excepcionais” não é pacífico nem na Doutrina nem na Jurisprudência. Quando uma Lei impõe a concretização de um conceito indeterminado coloca-se a questão de saber com que linhas de discricionariedade se cose a Administração; conceitos indeterminados são aqueles cuja extensão e conteúdo são em larga medida incertos, seja por polissemia, vaguidade, ambiguidade, porosidade ou esvaziamento – Menezes Cordeiro. Dos diferentes níveis de conceitos indeterminados interessa-nos nesta sede aqueles cuja valoração necessita de um preenchimento baseado na experiência e convicção da Administração enquadrada por critérios jurídicos – Sérvulo Correia – “a Administração tem aí de, considerando as circunstâncias de interesse público, descobrir segundo o seu critério a solução mais adequada”, ou seja, o espaço de conformação da Administração não se cinge à fixação dos efeitos da decisão, antes se alarga igualmente à determinação das próprias condições da decisão.
31. Ao nível da dispensa de AIA é corrente admitir-se que engloba o conceito de “circunstâncias excepcionais”: por um lado o Estado de Necessidade/Emergência tipificado constitucionalmente; por outro lado também englobaria o Estado de Necessidade Administrativo, isto é circunstâncias ponderosas do interesse público cuja urgência não se coaduna com demoras (como uma expropriação após uma cheia). A partir daqui existe toda uma zona periférica cuja delimitação concerne à Administração. Os argumentos aduzidos pelo R1 não bastam a priori para preencher tal conceito, a conveniência da dispensa exige circunstâncias excepcionais muito mais diversificadas e gravosas para o Estado Social de Direito.
32. Apesar do deferimento da dispensa feita com base em pressupostos irrelevantes sempre foi diligentemente efectuada a comunicação à Comissão Europeia nos termos do art. 3.º, n.º 8 do Decreto-Lei 69/2000. Tal ficou demonstrado com a inclusão da referida comunicação nos anexos à contestação de R3 (embora sem a devida referência à data de envio).
33. Não foi referida a existência das fases de participação pública (art. 14.º) nem a disponibilização dos elementos e peças processuais nos devidos locais para consulta dos interessados (art. 22.º).
34. A dispensa de AIA deve revestir a forma de um despacho conjunto do ministro responsável pela área do ambiente, e do ministro da tutela.
35. A aprovação da dispensa de AIA através de resolução de Conselho de Ministros implica uma confusão entre o poder regulamentar e o poder executivo do Governo. O despacho conjunto exigível seria um acto constitutivo de direitos impugnável pelos titulares dos direitos e interesses legalmente protegidos ao passo que a resolução do Conselho de Ministros emana da competência regulamentar; dessa forma cumpre distinguir que a impugnação contenciosa dos regulamentos não difere da impugnação de um acto administrativo no que concerne à ilegalidade. No entanto os termos da impugnação contenciosa são deveras diferentes, já que os vícios e formas de invalidade do regulamento têm como paradigma as Leis, sendo que seria demasiado gravoso para o particular contar com a adopção de um acto sob determinada forma e depois não o poder impugnar devido à adopção dessa mesma forma.
36. É ficcionado assim um acto administrativo que se encontra viciado de nulidade por carecer em absoluto de forma legal (art. 133.º, n.º 2, al. f) do CPA).
37. Perante todas as violações aduzidas ao regime do Decreto-Lei 69/2000 e face ao disposto no art. 20.º, n.º 1 qualquer acto praticado em desrespeito aos requisitos do procedimento de AIA será nulo (art. 20.º, n.º 3).


IV) Do Alvará

1. O alvará constitui um título executivo que consubstancia a legitimidade para proceder ao início de construções nos termos do Decreto-Lei 12/2004 de 9 de Janeiro (art. 1º e 2º).
2. A emissão de alvarás compete às Câmaras Municipais nos termos dos arts. 65.º, n.º 1 da LAL e art. 35.º, n.º 1 e 3 do CPA.
3. É alegado pela A2 que não existiu delegação de poderes ao Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar.
4. Em audiência foi alegada a existência de uma ratificação posterior pela Câmara Municipal do acto de emissão do alvará. Não é líquido o recurso a tal expediente. Consequentemente um acto ao qual falta a respectiva delegação de poderes é inválido por violação de Lei (com exclusão do art. 133.º, n.º 2 CPA) tendo como consequência a anulabilidade (art. 135.º CPA).

5. Os autores A2 e A3 invocam a nulidade do alvará com base na violação do seu Direito Fundamental (art. 133.º, n.º 2, al. d)).
6. Não é possível basear a invalidade de um acto administrativo na violação do Direito Fundamental do Ambiente (art. 66.º CRP) . Na Doutrina e Jurisprudência este preceito tem sido entendido no sentido de somente abranger o conteúdo dos direitos, liberdades, garantias e os direitos económicos, sociais e culturais que revistam natureza análoga – in Código do Procedimento Administrativo Anotado por Freitas do Amaral, pág. 243 e in Regime Jurídico do Acto Administrativo por Marcelo Rebelo de Sousa, pág. 179. Apesar de Doutrina divergente, o Direito Fundamental ao Ambiente não tem natureza análoga.
7. Idêntico fundamento serve para negar provimento à alegação de invalidade com base na violação ao Direito Fundamental à participação pública (art. 48.º CRP).

8. O A1 invoca a falta da formalidade de audiência dos interessados, nos termos do art. 100.º e ss. CPA; alega não estarmos perante qualquer um dos casos que dá lugar à inexistência ou dispensa desta formalidade (art. 103.º).
9. Em audiência contraditaram-se factos buscando a verdade da verificação da audiência dos interessados; não é líquido se foram observadas as formalidades de convocação de A1, pelo menos a dúvida surge após provas testemunhais feitas em audiência. A dúvida irresolúvel de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516.º CPC).
10. Perante dúvidas acerca da emissão dos avisos de recepção para convocação da audiência dos interessados, nomeadamente da sua regularidade, decide-se não dar como provada a recepção das cartas que procediam à convocação de A1 para uma audiência dos interessados.
11. Em consequência da inexistência da audiência dos interessados todo o procedimento de decisão de concessão do alvará está inquinado. Quanto ao vício gerado no procedimento existem posições divergentes na Doutrina e na Jurisprudência, variando entre a prescrição da nulidade ou da anulabilidade; a douta Jurisprudência do STJ sempre qualificou a falta de audiência dos interessados como gerada de anulabilidade; apoiando-se nomeadamente em posições como as de Vasco Pereira da Silva in Em Busca do Acto Administrativo Perdido, pág. 429 – 432, enquanto vício de forma resultante da preterição de uma formalidade essencial – legalidade.

12. Não foi dado como provado a existência de uma discrepância entre o fim legal e o fim real que procedeu à ponderação da motivação que presidiu ao acto.
13. Desta forma a escolha do local do Monte dos Vendavais não teve por base qualquer submissão de interesses particulares perante o interesse público.
14. O motivo principal mediante o qual R2 procedeu à emissão do alvará coincide com o fim para o qual foi criado esse poder de emissão – in Curso de Direito Administrativo, vol. II, pág. 394 de Freitas do Amaral.

15. A1 contesta a legalidade da recusa de concessão de informações pela Câmara Municipal. Para tanto baseia-se no princípio da boa fé (art. 6.º-A CPA).
16. A diferença entre princípios e regras é amplamente reconhecida pela Doutrina – in Direito Constitucional, Gomes Canotilho, pág. 1123.
17. O princípio da legalidade impõe o respeito pela administração de todo o bloco da legalidade inclusive os princípios gerais de Direito – Princípio da Juridicidade; o princípio da boa fé impõe a protecção de confiança da contraparte com base em quatro pressupostos: existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva, exigência de uma justificação para essa confiança com elementos objectivos, necessidade do desenvolvimento efectivo de actividades no quadro da crença consubstanciada, e ainda a imputação de situação de confiança implicando a existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado – in Da Boa Fé no Direito Civil, II de Menezes Cordeiro, pág. 1243 e ss.
18. Quando a R2 remete à A1 para que se dirija num momento posterior à Câmara para que obtenha todos os documentos que requereu evidencia-se tinha o ónus de proceder ao contacto de A1 quando os documentos estivessem disponíveis perante a confiança que A1 depositou no requerimento feito em primeiro lugar.
19. Em consequência esta violação gera a anulabilidade (art. 135.º CPA).
20. A2 alega a violação do princípio de prevenção, expresso no art. 66.º, n.º 2 e no art. 3.º, al. a) da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87 de 7 de Abril).
21. Antes de proferir qualquer opinião acerca da referida alegação importa tecer algumas considerações doutrinárias sobre a delimitação do conteúdo do referido princípio. Nesta questão entende este Tribunal que se deve seguir o entendimento de Vasco Pereira da Silva adoptando uma visão ampla do princípio da prevenção de forma a incluir nele toda e qualquer situação potencialmente lesiva para o meio ambiente independentemente da sua origem e do seu carácter actual ou futuro desde que apresente como característica primordial a probabilidade de lesar o ambiente.
22. Entende este Tribunal que por mais avançado tecnologicamente e eficiente que seja o referido Parque Eólico apresentará sempre perigo para algumas espécies nomeadamente as aves que habitam e se encontram frequentemente naquela zona. Contudo cabe salientar que não constitui o referido projecto uma obra com vertentes apenas negativas. Entende o Tribunal que a ponderação dos benefícios e dos prejuízos não é linear.
23. Dificilmente existirá uma actividade económica que não apresente qualquer tipo de risco para o ambiente.
24. Remete este Tribunal para a decisão no que concerne a esta ponderação.

25. A2 alega igualmente a violação do princípio do desenvolvimento sustentável. Este traduz-se numa exigência de ponderação das consequências para o meio ambiente de qualquer decisão jurídica de carácter económico tomada pelos poderes públicos não sendo admissíveis decisões cujos benefícios económicos sejam marginais em relação aos custos ambientais.
26.Tal implica um dever de fundamentação ecológica das decisões.
27. Segue este tribunal no entanto o entendimento de Carla Amado Gomes nos termos do qual qualquer princípio, por mais vago que seja tem que assumir um carácter normativo, isto é, tem que, materialmente, prescrever um comportamento determinado aos seus destinatários. Esta Autora entende que tal não acontece com o chamado princípio do desenvolvimento sustentável, o qual não reúne “um mínimo de elementos que veiculem a sua aplicação homogénea a um conjunto similar de situações”, limitando-se a assumir uma natureza ético-moral, da qual não se pode retirar qualquer imposição jurídica, remetendo-os a “sound bites” de sabor de considerações de oportunidade política. Por outro lado, o carácter ético de certas máximas despe-as de significado jurídico.

28. Complementando a ponderação feita supra (ponto 7), cabe discutir se perante as alegações de A1 e A2 está violado o princípio da participação pública na sua vertente de Direito de acesso à informação. Importa concretizar que o conceito de participação pública engloba a possibilidade do público conhecer os dados de certa situação (direito à informação), que a sua opinião seja tida em consideração pelo órgão decisor, que o público conheça o teor da decisão e os motivos que a determinaram (direito à informação) – Scovazzi.
29. Os n.os 1 e 2 do art. 268.º da CRP, cuja tutela é concretizada nos arts. 61.º a 65.º do CPA, reportam-se, respectivamente, ao direito de informação sobre o andamento dos processos em que o requerente seja interessado e sobre as resoluções definitivas que neles tenham sido tomadas (direito de informação procedimental), e ao direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, à margem de qualquer procedimento administrativo, decorrente do princípio da administração aberta (direito de informação extra-procedimental).30. Enquanto o direito à informação procedimental, exercido no âmbito e decurso de um procedimento administrativo, cabe aos "directamente interessados" no procedimento (arts. 61.º a 63.º do CPA) e, por extensão, aos que, não detendo essa qualidade, demonstrem ter um interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos (art. 64.º), o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos faculta a qualquer pessoa o acesso à informação respeitante a procedimentos administrativos findos, não estando o exercício deste direito dependente da invocação, pelo requerente, de qualquer interesse legítimo ligado aos registos ou documentos a que pretende ter acesso (arts. 65.º do CPA e 5.º da LADA).31. Sendo universal a titularidade desse direito de acesso aos documentos administrativos, o seu exercício está naturalmente sujeito às restrições legalmente previstas em "matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas" (arts. 268.º, n.º 2 da CRP e 65.º, n.º 1 do CPA), bem como as relativas a "matérias em segredo de justiça", a "segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa" ou à "violação dos direitos de autor ou dos direitos de propriedade industrial" (arts. 6.º e 8.º da LADA).
32. Sucede que estamos num caso em que se aplica uma Lei especial. Com a aprovação do regime da Lei 19/2006 de 12 de Junho (LAIA) surgem duas modalidades de acesso à informação sobre o ambiente: a mera consulta de dados e a obtenção documentada de dados informativos (art. 6.º, n.º 2 e 3); esta última pode ser requerida por qualquer pessoa sem que necessite justificar o seu interesse (art. 6.º, n.º1).
33. Tanto o A1 como A2 deveriam ter requerido a disponibilização por escrito contento os elementos essenciais da sua identificação e determinação precisa dos elementos que pretendiam e em que formato (arts. 8.º e 10.º).
34. Perante a inércia dos AA, a inexistência de tal procedimento desobriga a administração de uma resposta no prazo de 10 dias.
35. Improcede o pedido de anulabilidade do acto com fundamento na recusa de informação.

36. Os AA colheram argumentos em direcção aos efeitos do parque eólico no turismo, poluição sonora e visual (paisagística).
37. A concepção restrita de Direito do Ambiente adoptada por este Tribunal exclui do objecto de tutela de tais elementos.
38. A análise dos efeitos no Ambiente centrar-se-á na efectiva dimensão dos impactos nos componentes naturais e sua preponderância no Monte dos Vendavais enquanto unidade espacial.

V) Do parecer do Ministério Público

Ao abrigo dos artigos 3.º/1 do Estatuto do Ministério Público, 85.º/2 CPTA e 219.º CRP, o Ministério Público é competente para se pronunciar sobre o mérito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, dos interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens enunciados no artigo 9.º/2 CPTA.O projecto em causa está sujeito a avaliação de impacto ambiental, de acordo com o artigo 1.º/3 b) e Anexo II, ponto 3 i) do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio (doravante designado por Regime AIA, tendo sido posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro), integrando, assim, uma área sensível, designadamente, da Rede Natura 2000, regulada pelo Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro (vide artigo 2.º/b) ii) Regime AIA). Portanto, não foi respeitado o limite máximo de 10 torres previsto no Anexo II, ponto i) Regime AIA.O projecto referido integra ainda o âmbito do Regime PIN +, segundo o artigo 2.º/3 c) do Decreto-Lei n.º 285/2007, de 17 de Agosto (doravante designado Regime PIN +), uma vez que, in casu, se destina à promoção, eficiência e racionalização energéticas, maximizando a utilização de recursos energéticos renováveis.Para a classificação do projecto como PIN +, a lei exige a apresentação do requerimento previsto no artigo 3.º/1 Regime PIN +. A proposta de classificação do projecto como PIN + deveria ter sido obrigatoriamente precedida da audição da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar, devendo esta ter-se pronunciado, no prazo de 10 dias, sobre o interesse do projecto em causa e da admissibilidade da localização proposta, conforme resulta claro do disposto no artigo 4.º/2 Regime PIN +. A classificação do projecto em causa deve ainda ser “(…) efectuada por despacho conjunto dos ministros responsáveis pelas áreas do ambiente, do ordenamento do território e desenvolvimento regional e da economia, bem como dos demais ministros competentes em razão da matéria” (artigo 6.º/1 Regime PIN +).O requerimento supra mencionado para classificação do projecto como PIN + foi apresentado, conforme consta dos articulados, no dia 1 de Setembro de 2008, juntamente com o pedido de dispensa de procedimento de avaliação de impacto ambiental, nos termos do artigo 3.º/1 e 2 Regime AIA, tendo a este propósito a Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar, 15 dias a contar da data de entrega do requerimento de dispensa de procedimento de AIA para se pronunciar sobre o mesmo e remetê-lo à autoridade de AIA (artigo 3.º/3 Regime AIA).Nos termos do artigo 3.º/7 Regime AIA, o Ministro responsável pela área do ambiente e o Ministro da tutela decidem do pedido de dispensa de procedimento de avaliação de impacto ambiental, no prazo de 20 dias contados da recepção do parecer da autoridade de AIA. Contudo, dispõe o artigo 18.º/1 Regime PIN +, que nos casos em que se pretenda obter a dispensa do procedimento em causa o respectivo requerimento deve ser apresentado, em conjunto com o requerimento de classificação do projecto como PIN +, junto da CAA-PIN, verificando-se uma redução dos prazos que resultam do artigo 3.º/7 Regime AIA (20 dias) para metade, ou seja, 10 dias (artigo 18.º/2 Regime PIN +). A decisão sobre a dispensa de AIA é, então proferida pelos ministros competentes no despacho conjunto previsto no artigo 6.º Regime PIN + (artigo 18.º/3 Regime PIN +). Acresce ainda que, nos termos do artigo 17.º/1 Regime PIN +, o procedimento de AIA corre os seus trâmites nos termos do respectivo regime jurídico, atendendo-se às especificidades do Regime PIN + e sem prejuízo de ambos os procedimentos correrem em simultâneo, nos termos do artigo 12.º/1 Regime do PIN +.O Governo pronunciou-se pela dispensa do procedimento de AIA, no dia 2 de Janeiro de 2009, invocando, conforme consta dos articulados, “o profundo interesse nacional em causa” e a “necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia”, fundamentos que, a nosso ver, não preenchem as “circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas” exigidas pelo artigo 3.º/1 do Regime AIA e 124.º e 125.º CPA, relativos à exigência de fundamentação dos actos administrativos.Assim, não deveria ter havido dispensa do procedimento de AIA por violação do disposto no artigo 3.º/1 e 7 do Regime AIA, com o consequente indeferimento de dispensa do procedimento de AIA (artigo 3.º/11 Regime AIA). Isto significa a obrigatoriedade de ser seguido o procedimento previsto nos artigos 12.º e seg. do Regime AIA.Uma última questão que importa analisar relaciona-se com o facto de a autoridade de AIA dever promover a publicitação do procedimento de AIA, no prazo de 15 dias contados da declaração de conformidade a que se refere o artigo 13.º do Regime AIA (artigo 14.º/1 do Regime AIA).In casu, o prazo que João Siroco teria para consulta situar-se-ia entre 20 a 30 dias, conforme resulta do artigo 14.º/2 b) do Regime AIA, sendo considerado “público interessado” para efeitos do disposto nos artigos 2.º/r) e 14.º/3 do mesmo diploma.No prazo de 15 dias após a realização da consulta pública em causa, a autoridade de AIA envia ao Presidente da Comissão de Avaliação o relatório da consulta pública (artigo 14.º/5 do Regime AIA), devendo a autoridade de AIA responder por escrito, no prazo de 30 dias, aos pedidos de esclarecimento que lhe sejam dirigidos por escrito pelos interessados (artigo 14.º/6 do Regime AIA).Assim, o Ministério Público conclui o seguinte:O projecto em causa está obrigatoriamente sujeito, como ficou supra exposto, a avaliação de impacto ambiental, não podendo haver dispensa do mesmo procedimento, por ter havido violação do disposto no artigo 3.º do Regime AIA, relativamente a prazos, autoridade competente e fundamentação, seguindo-se, consequentemente, o procedimento normal previsto nos artigos 12.º e seguintes do mesmo regime, sem prejuízo de correr em simultâneo com o procedimento relativo à classificação do projecto como PIN +João Siroco é “público interessado”, nos termos dos artigos 2.º/r) e 14.º/2 e 3 do Regime AIA, não lhe devendo ser negado o direito de participação no procedimento em causa, conforme resulta do artigo em causa.



DA DECISÃO


- No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os Tribunais administrativos julgam do cumprimento pela administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação (art. 3.º, n.º 1 CPTA).
Na estrita prossecução do interesse público ponderam-se vantagens e desvantagens do projecto do parque eólico do Monte dos Vendavais. Nesta medida e analisando os pareceres dos peritos denota-se o grande benefício inerente ao aproveitamento de energia limpa e eficiente e na dimensão de que a avaliação de impacte ambiental toma em consideração parâmetros socioeconómicos, como o investimento; por outro lado os efeitos nas componentes naturais, ou seja, na fauna, flora e solos também não são de descurar. A ponderação de alternativas viáveis seria sempre de efectuar qualquer que fosse o procedimento a adoptar. Conclusivamente, a tendência para encarar a construção do parque eólico como benéfica verifica-se. Não existe objectivamente um impedimento às construções em sítios classificados como Rede Natura 2000. Porém, os vícios no procedimento impedem a manutenção da situação constituída; por muito elevado que seja o benefício este terá que estar sempre submetido ao Direito.
- Cumpridos os vistos e recolhidas as observações dos veneráveis Magistrados, este Tribunal vem decidir o seguinte:

  • Relativamente ao pedido de invalidade da resolução do Conselho de Ministros julga-se procedente a declaração de nulidade com base na violação do procedimento de reconhecimento de um projecto como PIN+; quanto ao requerimento a um órgão incompetente, ausência de consulta de entes autárquicos, violação do procedimento de AIA – obrigação de submissão do projecto, integração na Rede Natura 2000, inexistência de circunstâncias excepcionais; dispensa de AIA inquinada pela forma do acto adoptada;
  • O alvará padece da nulidade consequente do procedimento de AIA adoptado de modo inválido; a nulidade enquanto vício mais grave consome a anulabilidade proveniente da ausência de um acto de delegação de poderes da Câmara Municipal no seu Presidente, bem como da falta de audiência dos interessados e violação do princípio da boa fé;
  • Negar provimento à providência cautelar intentada por A3 devido à ausência de prejuízo sério;
  • Repetição do processado do acto devido em eventual processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos (art. 95.º, n.º 3 e art. 173.º CPTA).

Lisboa, 26 de Novembro de 2009 - Carlota Cravo (relatora) – Maria João Romba – Daniel Cardoso – Sofia da Cruz Correia