sexta-feira, 22 de maio de 2009

Parecer do Ministério Público

Exmo. Senhor Juiz de Direito do Tribunal Administrativo de Vilar de Brisa do Mar

A Magistrada do Ministério Público deste Tribunal Administrativo, notificada nos termos e para efeitos do art. 85 n.º 2 do C.P.T.A. (Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro), vem por este meio emitir parecer sobre o mérito da causa no processo que reúne as pretensões de Emílio Brontë, na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia de Monte dos Vendavais (doravante 1.º autor), da Associação “Binóculos Felizes” (doravante 2.º autor) e de João Siroco (doravante 3.º autor), ao abrigo do permitido pelo art. 47.º C.P.T.A., tendo como réus a empresa Sísifo S.A. (doravante 1.ª ré), o Conselho de Ministros do Estado português (doravante 2.º réu) e Marta Silva, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Vilar Brisa do Mar (doravante 3.ª ré).
Alega o 1.º autor que o projecto de construção de um Parque Eólico, a ser efectuado pela 1.º ré e dispensado de AIA pelo 2.º réu, não deve ser considerado PIN+, com a consequente aplicação ao mesmo do regime geral constante do D.L. n.º 197/2005 em matéria de sujeição ou não do mesmo ao procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA); quanto a este último aspecto, defende o 1.º autor que a AIA não deve ser dispensada neste caso por força do art. 1.º n.º 3 al. b) do D.L. n.º 197/2005.
No que concerne ao 2.º autor, a questão centra-se no facto de este alegar que o projecto tem como pretensão concretizar-se numa área da Rede Natura 2000 – a Zona de Protecção Especial da Ribeira do Verde Gaio – pelo que não deve ser autorizada a sua construção, ao abrigo do princípio da precaução, segundo alega.
Finalmente, o 3.º autor é um particular que pretende aceder às plantas da construção do parque eólico em causa, bem como que não se concretize a construção do mesmo, pedindo a anulação do acto de dispensa do procedimento de AIA e do consequente alvará do Presidente da Câmara para o início das respectivas obras.
Portanto, o que nos compete aqui aferir como questões principais é: se o projecto em causa é ou não considerado PIN+; se deveria ter sido dispensado de AIA; se o projecto não pode ser prosseguido pelo facto de se encontrar numa área da Rede Natura 2000; e em que medida foram afectados os direitos do 3.º autor enquanto particular interessado na causa.
Nos poderes que me foram investidos de “defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do art. 9.º” do C.P.T.A. (art. 85 n.º 2 C.P.T.A.), entre os quais se inclui o ambiente, cabe-me aferir até que ponto foi posto em causa este bem constitucionalmente protegido.

Comecemos pela eventual classificação do projecto como PIN+ (projecto de interesse nacional com importância estratégica), pedido que foi feito pelas 1.ª e 3.ª rés ao Governo português e cuja concessão tem como objectivo permitir a adopção de um mecanismo célere dos procedimentos autorizativos. De acordo com o preâmbulo do D.L. n.º 285/2007 (que estabelece o regime jurídico dos projectos de potencial interesse nacional classificados como PIN+), “as soluções propostas para os projectos PIN+ apostam no ambiente como factor de competitividade, assegurando-se uma análise integrada dos seus impactes ambientais, territoriais, económicos e sociais, por forma a encontrar soluções óptimas de desenvolvimento sustentável”.
O que acontece é que a proposta de qualificação do projecto como PIN+ é uma competência da Comissão de Avaliação e Acompanhamento dos projectos PIN, ao abrigo do art. 2.º n.º 2 do D.L. n.º 285/2007. Tal proposta deve ser feita pela CAA-PIN aos Ministros competentes, que seriam no caso o Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional e o Ministro da Economia (arts. 5.º n.º 1 e 6.º n.º 1 do D.L. 285/2007). No entanto, esta competência atribuída aos ministros referidos deve-se à aplicação do regime geral, pois, se for considerado aplicável o regime especial (capítulo II do D.L. n.º 285/2007, arts. 8.º e seguintes), a classificação do projecto pode ser feita por resolução do Conselho de Ministros (art. 8.º al. l)).
Ora, no que respeita à situação de a decisão proveniente do Governo ter sido emitida sob a forma de resolução do Conselho de Ministros cabe-me relevar que o Conselho de Ministros inclui, na sua formação, os três ministros competentes ao abrigo do art. 2.º n.º 2 do D.L. n.º 285/2007, entre outros (pelo que não seria grave, por se tratar de uma Resolução do Conselho de Ministros, estar um número maior de Ministros na decisão, antes pelo contrário, poderíamos até ter uma decisão tomada com uma ponderação mais detalhada), faz com que o facto de o próprio pedido de consideração do projecto como PIN+ não ter sido feito pelos 1.º e 3.º autores à CAA-PIN mas sim ao Governo perca força. Isto porque, se a exigência legal de que seja esta entidade a fazer a proposta de consideração do projecto como PIN+ está relacionada com o facto de a CAA-PIN ser especializada na matéria e poder, desse modo, tomar uma posição baseada numa fundamentação mais sólida (até porque é formada por entidades diversas como é o caso da Agência Portuguesa para o Investimento, a Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, o Instituto do Ambiente e o Instituto da Conservação da Natureza, entre outras – ponto n.º 6 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 95/2005, que cria o Sistema de Reconhecimento e Acompanhamento dos Projectos de Potencial Interesse Nacional), o objectivo final é que esta decisão parta de entidades pertencentes ao Governo (quer se entenda que são os três ministros referidos ou até o Conselho de Ministros). Ora, a partir do momento em que são estes a tomar a decisão final, tendo competência para o efeito, a mera formalidade de a proposta não ter partido de quem deveria ter partido perde relevância.
Portanto, em conclusão no respeitante ao ponto em questão, concluo que a preterição da exigência legal de que a proposta de consideração do projecto em causa como sendo PIN+ parta da CAA-PIN, e não da 1.ª ou da 3.ª ré, não inviabiliza que se considere o projecto como PIN+, se tal consideração final partir das entidades competentes para o efeito.

Mais concretamente no que concerne à AIA e sua eventual dispensa, está aqui em causa o D.L. n.º 197/2005, de 8 de Novembro, que contém o regime jurídico da AIA. A regra geral aplicável ao caso seria a de sujeição do projecto ao procedimento de AIA, ao abrigo do imposto pelo art. 1.º n.º 3 al. b), conforme o Anexo II, 3 i).
Porém, há que ter em conta determinados aspectos, matéria em que adiro na totalidade à fundamentação apresentada pelo 3.º autor: antes de mais, apesar de o art.º 3.º do mesmo D.L. permitir que seja dispensado o procedimento de AIA, tal só pode ser feito “em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas” o que não foi, de modo algum, o que aconteceu. O 3.º réu limitou-se a alegar o “profundo interesse nacional em causa e a necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia”. Tal justificação, sem mais explicações, não prova a existência de uma situação excepcional, além do que a própria fundamentação usada, além de insuficiente, é demasiado vaga, não dando azo a esclarecimentos concretos. Como alega o 3.º autor, está realmente em causa, no art. 3.º do diploma em análise, um acto discricionário; porém, tal não equivale a uma ausência de vinculação à lei, pelo que se conclui, neste aspecto concreto, que deveria ser dado provimento à pretensão do 3.º autor de declaração de nulidade do acto administrativo de dispensa de AIA, ao abrigo do disposto no art. 51 n.º 1 do C.P.T.A.
Em articulação da primeira questão (da possível consideração do projecto como PIN+) com esta de dispensa ou não de AIA, voltamos a tomar a posição evidenciada pelo 3.º autor quando este afirma, no ponto n.º 35 da petição inicial, que a classificação do projecto como PIN+ não acarretaria uma alteração das condições em que o projecto está sujeito a AIA, como é possível extrair dos arts. 7.º, 17.º e 18.º do D.L. n.º 285/2007. Considero, inclusive, que as disposições referidas são bastante claras, não necessitando de justificação adicional para a sua aplicação ao caso.

Em seguida cabe-me tomar posição acerca da influência do facto de o projecto em discussão ter como pretensão estabelecer-se numa área da Rede Natura 2000, que é a principal preocupação evidenciada pelo 2.º autor no seu articulado.
Ora, de acordo com o D.L. n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro, que procede à alteração do D.L. n.º 140/99, de 24 de Abril (que, por sua vez, procedeu à transposição para o ordenamento jurídico português de duas directivas comunitárias orientadas para a preservação da biodiversidade), a Rede Natura 2000 é uma rede ecológica de âmbito europeu que compreende as áreas classificadas como Zonas Especiais de Conservação (ZEC) e Zonas de Protecção Especial (ZPE) (art. 4.º do referido diploma). De acordo com o disposto no art. 1.º n.º 2 do diploma, este visa “assegurar a biodiversidade, através da conservação ou do restabelecimento dos habitats naturais e da flora e da fauna selvagens num estado de conservação favorável, da protecção, gestão e controlo das espécies, bem como da regulamentação da sua exploração”.
Não está aqui em causa o facto de o projecto de construção do parque eólico estar inserido numa área da Rede Natura 2000; isso é um dado adquirido. O que importa realmente aferir é se, por se tratar de um projecto situado em tal área, deve ou não ser objecto de Avaliação de Impacto Ambiental. E aqui temos que confrontar o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 10.º do D.L. n.º 49/2005, de onde se extrai que “os projectos não directamente relacionados com a gestão de (…) uma ZEC ou ZPE e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar essa zona de forma significativa (…) devem ser objecto de avaliação das incidência ambientais no que se refere aos objectivos de conservação da referida zona” (n.º 1) e que “a avaliação de incidências ambientais segue a forma do procedimento de avaliação de impacte ambiental quando (…) o referido procedimento seja aplicável nos termos do n.º 3 do art. 1.º do D.L. n.º 69/2000, de 3 de Maio” (n.º 2 al. b)), o que já concluímos ser o caso aqui.
Note-se que a conclusão de que o projecto estaria, pelos dois motivos já referidos, sujeito a AIA não é um impedimento ao prosseguimento do mesmo no futuro; apenas se impõe um determinado conjunto de trâmites a observar, de modo a que se avaliem detalhadamente as consequências para o ambiente decorrentes do projecto e que se apresentem medidas mitigadoras dos seus efeitos negativos. Como se pode facilmente perceber, é incontestável que a construção de um parque eólico, à partida, é uma medida benéfica para o meio ambiente. Afinal de contas estamos a falar de um recurso energético não poluidor e inesgotável. Porém, o ambiente é formado por um conjunto de bens e valores que transcendem o “mero” aproveitamento destas formas de energia, pelo que se deve sempre que necessário proceder pelo caminho que se afigure menos susceptível de lesar o meio ambiente, que apresente menos riscos.
Neste domínio cabe-me ainda aderir à posição manifestada pelo 3.º autor nos pontos nºs 48 e 49 da sua PI, de acordo com a qual aquilo em que a AIA se pode traduzir efectivamente num prejuízo para o projecto e interesse nacional que o mesmo assume é na demora que vai induzir no procedimento principal, pelo que só um projecto cuja realização seja urgente pode subsumir-se nas “circunstâncias excepcionais” do art. 3.º do D.L. n.º 69/2000, de 3 de Maio e, no caso concreto, a fundamentação utilizada não convence do carácter urgente do projecto. Por mais benéfico que se possa considerar o plano de construção de um parque eólico, não se trata de uma edificação cuja urgência de concretização se consiga aferir sem mais; como tal, na falta de fundamentação credível que pudesse convencer da validade da dispensa da AIA, a medida mais razoável a tomar face à relevância dos valores em causa seria efectivamente, na falta de melhor e mais fundada argumentação, a prossecução do procedimento de AIA, e não a sua dispensa.
Como tal, no que respeita concretamente à pretensão do 2.º autor de declaração de nulidade do acto de dispensa de AIA, reitera-se então aqui a posição de que a mesma deve proceder, pelos fundamentos já invocados anteriormente, ao abrigo do disposto no art. 51 n.º 1 do C.P.T.A..

Resta-nos fazer alusão à posição do 3.º autor, naquilo em que difere das petições dos demais autores. Este autor pretende impugnar o acto que determina o indeferimento do seu pedido de acesso às plantas de Vilar de Brisa do Mar, bem como condenar o Presidente da respectiva Câmara Municipal na prática do acto devido (ponto n.º 4 da PI deste autor). Além disso, alega que o facto de ter havido uma dispensa de AIA ilegal o privou de se pronunciar sobre os efeitos prejudiciais do projecto, ao abrigo do disposto no art. 14.º da Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio.
É um facto que tal disposição concede aos interessados (definidos no art. 2.º al. k) do diploma em questão através de um conceito que abrange o autor, dado que este reside no “concelho ou concelhos limítrofes da localização do projecto”) o direito de participação na discussão do procedimento de AIA. Porém, ao contrário do que parece ser a alegação do 3.º autor, a realização do procedimento de AIA não tem como finalidade permitir a participação dos interessados na sua discussão, mas sim avaliar os pontos negativos e positivos susceptíveis de decorrer do projecto em análise, pelo que, pelos argumentos utilizados pelo autor, considera-se que não deve proceder esta alegação de que, com a dispensa de AIA pelo 2.º réu, foi ofendido o direito fundamental ao Ambiente do requerente, mais precisamente na sua dimensão de protecção contra agressões ilegais.
Já no que respeita ao pedido feito pelo autor à 3.ª ré de acesso às plantas relativas à construção do Parque Eólico no município de Vilar de Brisa, assiste-lhe razão quando invoca, nos termos dos arts. 5.º do D.L. n.º 46/2007, de 24 de Agosto e do art. 6.º n.º 1 da Lei n.º 19/2006, de 12 de Junho, que tem o direito de aceder a tal documento, salvo se estiverem verificadas as circunstâncias especiais previstas no n.º 1 do art. 6.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, circunstâncias que não foram alegadas pela 3.ª ré, pelo que não se afiguram procedentes os argumentos invocados por esta. Ora, alega a ré que, apesar de as Câmaras Municipais constarem do elenco do art. 22.º do D.L. n.º 197/2005, de 8 de Novembro, que define as entidades que dispõem de todos os elementos respeitantes ao procedimento de AIA, o que pode levar a concluir, a contrario sensu do art. 11.º n.º 1 da Lei n.º 19/2006, que o pedido de acesso à informação sobre o ambiente não pode ser indeferido no caso, tal conclusão não deve ser tirada na medida em que a responsabilidade pela divulgação desta informação compete à Autoridade da AIA. Esta entidade é, efectivamente, quem tem competência para divulgar os documentos referidos no art. 23.º do D.L. n.º 197/2005, de 8 de Novembro, ao abrigo do art. 24.º do mesmo diploma. Porém, os documentos referidos nesta disposição mencionada anteriormente respeitam ao procedimento de AIA, procedimento este que foi dispensado. Logo, é óbvio que não seriam os documentos alegados pela ré aqueles a que o autor em questão queria aceder. O único acesso a que o autor reclama é às plantas do Parque Eólico. A outra queixa respeita à falta de oportunidade de se pronunciar pela construção do parque, o que difere muito de um pedido de acesso aos documentos respeitantes a uma AIA que não poderia existir, visto que houve dispensa de tal procedimento. Note-se, porém, que mesmo que existissem os tais documentos alegados pela ré respeitantes ao procedimento de AIA, o n.º 1 do art. 11.º da Lei n.º 19/2006 também não seria invocável pela mesma para poder recusar a permissão de acesso aos documentos, visto que o n.º 4 do mesmo artigo dispõe que “no caso previsto no n.º 1, quando a autoridade pública tenha conhecimento de que a informação está na posse de outra autoridade pública, ou é detida em seu nome, deve, de imediato, remeter o pedido a essa autoridade e informar o requerente”. Portanto, a existir tais documentos, o eventual pedido de acesso aos mesmos não poderia ser ignorado pelo simples facto de não se encontrar na posse da ré, pelo que estas suas alegações nesta matéria não deverão ser consideradas procedentes.
Quanto aos documentos aos quais foi, efectivamente, solicitado acesso por parte do 3.º autor, releva aqui especialmente a Lei n.º 19/2006, de 12 de Junho, que regula o acesso à informação ambiental (sendo especial face à Lei de acesso aos documentos administrativos, a Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto), nomeadamente o n.º 6 do art. 11.º, que contém o elenco taxativo das situações e fundamentos que podem ser apresentados para o indeferimento do pedido de acesso à informação ambiental. Visto que a 3.ª ré não invocou o caso de se verificar alguma das alíneas constantes da disposição em análise, que são situações excepcionais, as quais, de acordo com o n.º 8 do art. 11.º, “devem ser interpretadas de forma restritiva pelas autoridades públicas, ponderando o interesse público servido pela divulgação da informação, o direito subjectivo à informação ambiental e os interesses protegidos que fundamentam o indeferimento”, conclui-se, neste ponto, no sentido de deverem ser deferidas todas as pretensões deste autor, não procedendo os argumentos invocados pela 3.ª ré no que respeita à posição deste autor.

Assim, em face do exposto e em conclusão emito parecer no sentido da procedência dos pedidos de declaração de nulidade do acto de dispensa de AIA do projecto em causa, com a consequente anulação do alvará concedido pela 3.ª ré (pretensão alegada pelos 1.º e 3.º autor ao abrigo dos arts. 135.º e 136.º C.P.A. (Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 Novembro), bem como do pedido do 3.º autor de acesso às plantas do Parque Eólico. Por outro lado, o meu parecer vai no sentido de não se atender às pretensões do 1.º autor de o projecto não ser considerado como sendo PIN+, pelos motivos já referidos.

A Procuradora,

Teresa Catarina Faria