Exmos. Srs. Juizes Conselheiros do
Supremo Tribunal Administrativo
Secção de Contencioso Administrativo
Associação Binóculos Felizes, pessoa colectiva privada nº 100 200 300, com sede na Avenida das Aves, nº 35, 9º frente, concelho de Vilar de Brisa do Mar, representada por Sónia dos Pardais Verdes, nos termos do 4º nº 2 do seu Estatuto, casada, com residência na Rua da Miragem, concelho de Vilar de Brisa do Mar,
vem intentar contra
Sísifo, S.A., pessoa colectiva nº 500 600 700, com sede na Rua do Vento, nº 4, concelho de Lisboa,
Aníbal Aerogerador, casado, com residência no Monte das Andorinhas, concelho de Vilar de Brisa do Mar, Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar, com sede no Largo do Ar, concelho de Vilar de Brisa do Mar
e
Conselho de Ministros, com sede na Rua de São Bento, Palácio de São Bento, concelho de Lisboa
acção administrativa especial de impugnação
de acto administrativo
mais concretamente de nulidade de acto administrativo
[da Resolução do Conselho de Ministros que dispensa de procedimento avaliação de impacto ambiental e,
consequentemente,
de acto administrativo posterior, o alvará de construção emitido pelo Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar]
o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
DOS FACTOS
1º
A empresa Sísifo, S.A., especializada na produção de energias renováveis, apresentou, na Câmara de Vilar de Brisa do Mar, um projecto de construção de um parque eólico.
2º
O projecto consistia na instalação de 15 torres de produção de energia no Monte dos Vendavais.
3º
O Presidente da Câmara, em entrevista à TVI 24, mostrou-se muito entusiasmado com o projecto, não só pela possibilidade de atrair investimento estrangeiro, mas também porque criaria postos de emprego no município.
4º
De negociações informais entre a Sísifo e o Presidente, resultou um pedido ao Governo.
5º
Um pedido para que o projecto fosse considerado PIN + e dispensado de avaliação de impacto ambiental, invocando que o Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais, sujeito a avaliação de impacto ambiental, já previa uma instalação deste tipo, naquele local.
6º
O projecto não foi considerado PIN +.
7º
Mas foi dispensado de avaliação de impacto ambiental, por resolução do Conselho de Ministros, com base no ‘profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia’.
8º
Com uma decisão favorável, o Presidente da Câmara emitiu um alvará para dar início à construção do parque eólico.
9º
O Monte dos Vendavais insere-se numa área da Rede Natura 2000.
10º
A Associação, aqui Autora, dedica-se à observação de aves, muitas delas em vias de extinção, no referido monte.
DO DIREITO
11º
A A. tem legitimidade activa para esta acção, nos termos do artigo 9º nº 2, Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigo 12º nº 1, Lei 83/95 de 31 de Agosto.
12º
A classificação de projectos como PIN + e a dispensa de procedimento de avaliação de impacto ambiental não se confundem, como se procurará comprovar.
13º
Os PIN + são os projectos de potencial interesse nacional de importância estratégica, nos termos do artigo 1º do DL 285/2007, de 17 de Agosto.
14º
Diferente dos PIN, que são projectos de potencial interesse nacional, cfr. Resolução do Conselho de Ministros nº 95/2005, de 24 de Maio.
15º
Quem propõe a classificação como PIN + é a Comissão de Avaliação e Acompanhamento dos projectos PIN (CAA-PIN) – artigo 2º do DL 285/2007.
16º
E não a Sísifo ou o Presidente da Câmara.
17º
A Sísifo deveria antes ter requerido o reconhecimento como PIN, cfr. artigo 3º nº 2 do DL 285/2007.
18º
O que não aconteceu!
19º
O Governo não se pronunciou, pelo que poder-se-ia perguntar se houve deferimento tácito.
20º
Não!
21º
O acto não é constitutivo de direitos, cfr. artigo 7º nº 2 do DL 285/2007.
22º
E todo o procedimento é ilegal.
23º
Nos termos do artigo 1º nº 3 b) e anexo II/3/i) do DL 197/2005, de 8 de Novembro, o referido parque eólico está sujeito a avaliação de impacto ambiental.
24º
A dispensa desse procedimento só pode ocorrer nos termos do artigo 3º do mesmo DL.
25º
Mas a lei foi, mais uma vez, ignorada!
26º
A dispensa de avaliação de impacto ambiental dispõe de um requerimento próprio – artigo 3º nº 2 do DL 197/2005.
27º
Que deve ser apresentado à entidade competente para licenciar ou autorizar o projecto.
28º
E que deve ser devidamente fundamentado, descrever o projecto e indicar os principais efeitos no ambiente.
29º
Ora, a Sísifo apenas fundamentou o pedido no facto de o Plano de Pormenor do Monte dos Vendavais já prever uma instalação desse tipo, naquele local.
30º
E este já ter sido sujeito a avaliação de impacto ambiental.
31º
Mas como se pode concluir que as instalações são similares e provocam os mesmos danos (ou não) no ambiente?
32º
Estamos diante de um novo projecto e não de um projecto considerado em abstracto no referido Plano de Pormenor.
33º
Este fundamento não pode proceder.
34º
O pedido de dispensa, apesar disso, prosseguiu.
35º
E foi deferido.
36º
Ora, só pode haver dispensa do procedimento de avaliação de impacto ambiental, se circunstâncias execpcionais e devidamente fundamentadas o determinarem, cfr. artigo 3º nº 1, do mesmo DL.
37º
O profundo interesse nacional e a necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia não são cirscunstâncias excepcionais.
38º
Ou tudo seria dispensado de avaliação de impacto ambiental.
39º
O Conselho de Ministros procedeu, desta forma, a um erro grosseiro na concretização do conceito indeterminado “circunstâncias excepcionais”.
40º
Falhou na apreciação da questão e na fundamentação da decisão.
41º
Como sublinha MARCELO REBELO DE SOUSA, in “Direito Administrativo Geral, Tomo I” , 1ª Edição, 2004, p. 208, “Trata-se de um erro manifesto de apreciação na medida em que a Administração procede e uma errónea qualificação de uma relaidade fáctica sob um dado conceito indeterminado em termos tais que, nem o erro se pode considerar coberto pela margem de livre decisão”.
42º
Constata-se uma clara violação do princípio da proporcionalidade, na vertente da razoabilidade, enquanto princípio orientador da actividade administrativa e limitador da margem de livre apreciação, conforme dispõe o artigo 226º nº 2 da Constituição.
43º
E outro trâmite foi ignorado.
44º
A Autoridade de AIA não deu o seu parecer, nos termos do artigo 3º nº 4 do DL 197/2005.
45º
O projecto foi ilegalmente dispensado de avaliação de impacto ambiental.
46º
A dispensa, ainda que cumprindo os trâmites desse artigo 3º, nunca poderia ocorrer.
47º
Um parque eólico desta envergadura deve seguir o procedimento de avaliação de impacto ambiental.
48º
Há aspectos a considerar, como o ruído provocado pelos aerogeradores e o impacto visual na paisagem.
49º
Ainda mais, porque se situa numa zona da Rede Natura 2000, para efeitos do artigo 4º do DL 140/99, alterado e republicado pelo DL 44/2005.
50º
O Monte dos Vendavais faz parte da Zona de Protecção de Protecção Especial da Ribeira do Verde Gaio, aprovado pelo Decreto Regulamentar 18/2008.
51º
Ora, é considerada uma ZPE precisamente por existirem no referido local diversas espécies de aves protegidas e em vias de extinção.
52º
De entre essas espécies destacam-se o sisão Tetrax tetrax e a abetarde Otis tarda, que se encontram em vias de extinção e que importa proteger.
53º
Esse foi precisamente um dos motivos da criação desta ZPE, conforme confirma o artigo 3º do Decreto Regulamentar nº 18/2008 e do artigo 6º nº 2 a) do DL 140/99.
54º
Estes factos foram completamente ignorados pelos Réus!
55º
Isto porque apenas visaram o lucro económico, ignorando completamente a necessidade de preservação dos habitats destas espécies.
56º
Para efeitos do artigo 7º-C nº 2 do DL 140/99, os elementos paisagísticos de importância fundamental, não ficarão intactos com a construção do parque eólico.
57º
Isto porque, por razões biológicas das próprias aves, é impossível a sobrevivência destas em outro local que não o Monte dos Vendavais.
58º
Por força da aplicação do artigo 7º do DL 140/99, a regulamentação das ZEC abrange as ZPE.
59º
A construção do parque eólico deveria ter sido objecto de uma avaliação com todas as incidências ambientais da construção.
60º
O que não aconteceu!
61º
Consequentemente, o licenciamento é ilegal por violação do artigo 10º nº 1 do DL 140/99.
62º
Mais ainda porque cumpria aos Réus zelar pela manutenção dos habitats naturais das aves no Monte dos Vendavais.
63º
Nem estes solicitaram nenhuma informação que lhes permitisse efectuar tal avaliação!
64º
Ainda que não se entendesse que esta avaliação era obrigatória por se efectuar uma “interpretação literal” do artigo 10º nº 1 do DL 140/99, por aplicação do princípio da precaução, esta seria sempre necessária.
65º
O princípio da precaução está previsto em diversos instrumentos legislativos entre os quais o artigo 174º nº 2 do Tratado da Comunidade Europeia e o artigo 66º nº 2 a) da Constituição.
66º
Já foi afirmado, em sede comunitária, pelo Tribunal de Primeira Instância, no caso T-13/99, de 11/09/2002 e através da Comunicação da Comissão Europeia relativa ao princípio da precaução, de 2 de Fevereiro de 2000.
67º
Pela primeira vez definido no Princípio 15 da Conferência do Rio de 1992, tem como função “ (…) a garantia contra os riscos potenciais de que, de acordo com o estado actual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência de certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever esse dano”.
68º
Conforme a Doutrina tem entendido, o princípio da precaução tem aplicação quando esteja em causa a necessidade de adopção de medidas de prevenção de riscos de danos ambientais.
69º
Mesmo que houvesse uma significativa incerteza, o que não é o caso, o princípio da prevenção prevaleceria sobre os denominados interesses económicos, com os quais os Réus procuraram justificar a sua actuação.
70º
Ou seja, in dubio pro ambiente!
71º
E ainda, caso fosse necessário, a Sísifo, S.A., ora Ré, deveria ter feito todos os esforços para provar que aquela construção não punha em causa o habitat das aves.
72º
E isto por força da inversão do ónus da prova em matéria de precaução ambiental.
73º
Mas nada fez, tal como os restantes Réus!
74º
Ainda que se entenda, como faz CARLA AMADO GOMES, in “Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente”, Coimbra Editora, 200, pp. 414 e ss., que o princípio da precaução não é verdadeiramente autónomo, por força do princípio da prevenção sempre seria proibida esta construção.
75º
Este princípio vigora na ordem jurídica portuguesa e constitui um dos vectores fundamentais da política ambiental por força do artigo 66º nº 2 a) CRP e do artigo 3º a) da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/ 87, de 7 de Abril, alterada pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro).
76º
Como já se demonstrou, os riscos para os habitats das aves estão comprovados.
77º
Com a construção do parque eólico, as espécies extinguir-se-iam, sem possibilidade de serem “transportadas” para outro local.
78º
Conforme bem foca LUHMANN, a prevenção tem que ser entendida como preparação para prováveis, ou incertas, perdas futuras e onde tem que se procurar reduzir a probabilidade de ocorrência de perdas ou, em último caso, a diminuição da extensão das mesmas.
79º
Aqui está em causa a existência e utilização de meios tecnológicos e científicos que nos permitam ter uma certeza acerca da produção de danos ou riscos.
80º
Que podem e devem ser utilizados neste caso para defender o ambiente.
81º
Quanto ao Réu Conselho de Ministros, enquanto órgão de tomada de decisões do Governo, cabe-lhe zelar pelo cumprimento estrito da legalidade, o que não aconteceu.
82º
Enquanto orgão topo da Adminstração Pública, deve o Governo pautar-se pelo princípio da legalidade e pelo princípio da prossecução do intresse público.
83º
A necessidade de Portugal diversificar as sua fontes de energia, enquanto interesse público tem de ser ponderado com outros interesses públicos em presença, como é o caso da salvaguarda do meio ambiente, protegendo-se e convervando-se as espécies e os seus habitats.
84º
Não pode a Administração generalizar este tipo de dispensas, pois o que se pretende é que só ocorram em casos excepcionais.
85º
A dispensa de procedimento de avaliação de impacto ambiental não respeitou a lei nem os princípios da precaução e da prevenção.
86º
O alvará concedido pelo Presidente da Câmara nunca poderia ter sido concedido.
87º
Ora, não há dúvida que o parque eólico constitui uma edificação para efeitos do artigo 2º a) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
88º
Isto porque o parque eólico irá ser incorporado no solo com carácter de permanência.
89º
A competência seria efectivamente do Presidente da Câmara, cfr. o artigo 75º do DL 555/99.
90º
No entanto, RR fizeram por completo tábua rasa da lei, dando a ideia de que a Resolução do Conselho de Ministros é em si o procedimento, quando na verdade é uma aparência de procedimento.
91º
Deste modo, a concessão do alvará está ferida de nulidade.
92º
Mais concretamente de nulidade consequente por força do procedimento anterior ser nulo.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, por via dela pedindo-se:
A) A declaração de nulidade da Resolução Conselho de Ministros, demandado nesta acção
B) Consequentemente, que seja declarada nula a emissão do alvará pelo Presidente da Câmara;
C) Que os réus sejam condenados em custas.
Valor: superior a € 30.000 (trinta mil euros)
Junta: - Uma (01) Procuração
- Comprovativo do pagamento da Taxa de Justiça;
- Cópia e duplicados legais
Prova (cfr. artigo 467º, nº 2 do C.P.C.):
A) Testemunhal
- Maria Fernanda Costa Santos, maior, divorciada, bióloga residente na Avenida da República, n.º 6, 7000-000 Vila de Brisa do Mar;
Para tanto, pede-se a V. Exª que se digne ordenar a citação dos réus para contestar, querendo, no prazo e sob a cominação legal, seguindo-se os ulteriores termos até final.
H2O
Sociedade de Advogados de Responsabilidade Ilimitada
Rua dos Vendavais, n.º 5 B
7885-500 Vilar de Brisa de Mar
Mara Correia
Mariana Paiva
Rui Brito