domingo, 24 de maio de 2009

Parecer do MP (Bruna Sarmento, Manuela Costa, Márcia Brás) Subturma 4

Exmo. Senhor Juiz de Direito do Tribunal Administrativo de Vilar de Brisa do Mar

Parecer do Ministério Público:

As Magistradas do Ministério Público deste Tribunal Administrativo, notificadas nos termos e para efeitos do art. 85 n.º 2 do CPTA. (Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro), intervêm nesta acção, que envolve processos principais e cautelares tendentes à defesa de valores e bens constitucionalmente consagrados, designadamente o ambiente (artigo 9º do CPTA).
Desse modo, e uma vez que compete ao ministério público como defensor da legalidade, a promoção de diligências de instrução, vêm por este meio emitir parecer sobre o mérito da causa no processo que reúne as pretensões da Associação “Binóculos Felizes”, pessoa colectiva de direito privado, com sede na freguesia de Monte dos Vendavais, conselho de Vilar de Brisa do Mar, registada sob o n.º123456789 no R.N.P.C, tendo como réus Leopoldo Rondão de Almeida, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar (doravante 1.ª ré), a empresa Sísifo S.A, pessoa colectiva de direito privado, registada no R.N.P.C. com o n.º 1247281, com sede na Av. da República nº 10 em Lisboa (doravante 2.ª réu) e o Conselho de Ministros do Estado português (doravante 3.º réu).

Do mérito da causa:
O que nos compete aqui aferir como questões principais é: se o projecto em causa é ou não considerado PIN+; se deveria ter sido dispensado de AIA; se o projecto será impedido de se concretizar por se encontrar numa área da Rede Natura 2000; se foi observado o requisito de licença ambiental e em que medida foram afectados os direitos do 3.º autor enquanto particular interessado na causa.

Sobre a localização do parque eólico numa área da Rede Natura 2000:
Alega a Associação “Binóculos Felizes” (Autora) na sua petição, que o Monte dos Vendavais se encontra numa área de Rede Natura 2000, pelo que o projecto de construção de um parque eólico nunca poderia almejar concretizar-se nesse espaço, na medida em que a politica de conservação do ambiente de que consta a Rede Natura 2000 visa conservar os habitats e espécies nas suas áreas de distribuição e era urgente a protecção de toda a natureza circundante.
De acordo com o D.L. n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro, que procede à alteração do D.L. n.º 140/99, de 24 de Abril, concluímos que a Rede Natura 2000 é uma rede ecológica de âmbito europeu que compreende as áreas classificadas como Zonas Especiais de Conservação (ZEC) e Zonas de Protecção Especial (ZPE), tendo como objectivo “assegurar a biodiversidade, através da conservação ou do restabelecimento dos habitats naturais e da flora e da fauna selvagens num estado de conservação favorável, da protecção, gestão e controlo das espécies, bem como da regulamentação da sua exploração” (art. 1.º n.º 2 do diploma).
O Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar na sua contestação alega que o Monte dos Vendavais, local onde será instalado o parque eólico, não consta da cartografia determinada pela Rede Natura 2000 e a empresa Sísifo SA apresenta uma lista do plano sectorial da Rede Natura 2000 da qual não consta o Monte dos Vendavais. Contudo, o MP teve oportunidade de verificar que a lista junta aos autos se encontra desactualizada. O documento é de 2006 e em 2008 surgiu uma actualização à referida lista, de carácter comunitário, com a inclusão do Monte dos Vendavais como área protegida sita na Ribeira do Verde Gaio (conforme documento que se junta aos autos). Assim sendo, cai por terra a pretensão dos réus e concluímos que se encontra numa área classificada como Zona de Protecção Especial, que se traduz numa “área de importância comunitária no território nacional em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou restabelecimento do estado de conservação das populações de aves selvagens inscritas no Anexo A-I e dos seus habitats, bem como das espécies de aves migratórias não referidas neste anexo e cuja ocorrência no território nacional seja regular”, de acordo com o art.3º/1, alínea o).

Dispensa de Avaliação de Impacto Ambiental:
Segundo os AA, o projecto em causa (construção de um parque eólico numa zona supostamente classificada como ZEP) encontra-se sujeito a Avaliação de Impacto Ambiental (doravante AIA), nos termos do artigo 1º/ 3 b) em conjugação com a alínea i) do nº 3 do Anexo II ao Decreto lei nº 69/2000.
Nestes termos é adequado, à priori, que se proceda a um enquadramento jurídico do referido procedimento ambiental, bem como o seu âmbito material.
A avaliação de impacte ambiental, na medida em que consiste num procedimento administrativo especial privativo do direito do ambiente, tem como principal função a prevenção de danos futuros do meio ambiente, recorrendo a avaliações autónomas de efeitos ambientais de um projecto num momento prévio ao seu licenciamento.
O âmbito de aplicação da AIA abrange tanto os projectos públicos, como os privados, susceptíveis de produzir efeitos significativos no ambiente, de acordo com o artigo 1º/1 do DL 69/2000.
Pela analise do referido diploma em conjugação com o ponto 3 alínea i) do seu anexo II conclui-se que estão sujeitos a AIA os parques eólicos com mais de 10 torres sitos em zonas sensíveis. Assim sendo esta construção não só incide sobre uma área da Rede Natura 2000, sendo por isso considerada uma zona sensível, nos termos do disposto no art. artigo 2º a) ii), como deverá ter 15 torres, não havendo margem para duvidas de que é este um projecto sujeito obrigatoriamente a AIA.
No que concerne à Avaliação de Impacto Ambiental e sua eventual dispensa, está aqui em causa o preceituado no artigo 1º, nº 3 alínea b) em conjugação com a alínea i) do nº 3 do Anexo II ao Decreto-lei nº 69/2000 na redacção do Decreto-lei nº 197/2005 de 8 de Novembro, que contém o regime jurídico da AIA.
A regra geral aplicável ao caso seria a de sujeição do projecto ao procedimento de AIA, ao abrigo do imposto pelo art. 1.º n.º 3 al. b), conforme o Anexo II, 3 i). A autora alega que não está abrangida pelos liminares fixados nos anexos II, porque a instalação é superior a 10 torres. O segundo réu alega que tendo em conta a lista de plano sectorial da Rede Natura 2000, nenhuma das torres está implantada dentro da mencionada rede. Refere também que mesmo que as torres estivessem na área protegida não seriam todas e logo seria dispensada a AIA pois não estava preenchido o requisito de “10 ou mais torres”, de acordo com o artigo 1º/2 do DL 69/2000 do quadro 2 anexo ao DL.
Com efeito, o art. 3.º/1 do mesmo D.L. refere que a dispensa do procedimento de AIA só pode ser feita “em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas”, por iniciativa do proponente e mediante despacho do ministro responsável pela área do ambiente e do ministro da tutela. O Conselho de Ministros limitou-se a alegar o “profundo interesse nacional em causa e a necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia”. Tal justificação não prova a existência de uma situação excepcional, além do que a própria fundamentação usada, além de insuficiente, é demasiado vaga.
Quanto ao requisito da iniciativa do proponente, verificamos que o mesmo tem que ser conjugado com o disposto no artigo 3º/2, devendo esta iniciativa ser materializada num requerimento que formaliza o pedido.
O 1º R alega que a instalação do parque não constitui uma actividade potencialmente perigosa a nível ambiental, uma vez que se trata de energias renováveis, bem como releva ainda o facto de existir já, naquela área, um plano de pormenor anteriormente sujeito a AIA, onde se previa a construção dum parque com as características pretendidas pela empresa Sisifo S.A. ( 2º R ).
A este titulo importa salientar que o facto do plano de pormenor prever de antemão uma instalação deste género, isso não invalida a necessidade legal de sujeição a AIA, do referido parque eólico, uma vez que aquele plano foi sujeito a uma avaliação ambiental estratégica, nos termos do DL 232/2007, que a regula.
Por forma a justificar a necessidade de sujeição da instalação a AIA, referimos que os mencionados procedimentos ambientais apresentam diferenças. Com efeito a AIA consiste numa avaliação concreta do projecto de execução, ou seja, assume uma via preventiva de politica de ambiente, de modo a assegurar que os prováveis efeitos, de determinado projecto, sob o ambiente, sejam tomados em consideração no seu processo de aprovação. Por seu turno, a AAE caracteriza-se por ser mais genérica, adoptando uma via mais estratégica no âmbito da sustentabilidade dos recursos, e tendo como função primordial considerar os principais valores fundamentais em matéria ambiental, no processo decisório dos planos e programas, e de preferência antes da sua aprovação.
Assim sendo, concluímos a favor da AA, quanto à obrigatoriedade de AIA.

Classificação do projecto como PIN+ (projecto de interesse nacional com importância estratégica):
A Associação alega que para que um projecto seja classificado como PIN+ deve ser proposto pela Comissão de Avaliação e Acompanhamento dos projectos PIN, (CAA-PIN), segundo o art. 2º/2 do DL 285/2007 de 17 de Agosto que tem a possibilidade de propor a classificação como PIN+ dos projectos que reúnam os critérios PIN previstos no anexo ao DL 174/2008 de 26 de Agosto, bem como os requisitos do n.º 3 do art. 2º do DL 285/2007. Diz ainda que mesmo que todos os requisitos supra referidos estivessem reunidos, o órgão competente para o requerimento de classificação como PIN+, seria CAA-PIN e não a empresa Sisifo S.A.
De acordo com o preâmbulo do D.L. n.º 285/2007, “as soluções propostas para os projectos PIN+ apostam no ambiente como factor de competitividade, assegurando-se uma análise integrada dos seus impactes ambientais, territoriais, económicos e sociais, de forma a encontrar soluções óptimas de desenvolvimento sustentável”.
Acontece que a proposta de qualificação do projecto como PIN+ é uma competência da CAA-PIN, ao abrigo do art. 2.º n.º 2 do D.L. n.º 285/2007. Tal proposta deve ser feita pela CAA-PIN aos Ministros competentes, que seriam, no caso, o Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional e o Ministro da Economia (arts. 5.º n.º 1 e 6.º n.º 1 do D.L. 285/2007). No entanto, esta competência atribuída aos ministros referidos deve-se à aplicação do regime geral, pois, se for considerado aplicável o regime especial (capítulo II do D.L. n.º 285/2007, arts. 8.º e seguintes), a classificação do projecto pode ser feita por resolução do Conselho de Ministros (art. 8.º al. l)).
Alega neste sentido a 2ª RR que o pedido de qualificação de um projecto como PIN tem que ser feito pelos interessados, ao abrigo do art. 4º/1 do Decreto Regulamentar 8/2005. Mais alegam que esse pedido tem de ser feito à CAA PIN, por esta aprovado e por esta remetido ao Governo para que os ministros competentes decidam sobre a sua validade e qualificação.
De facto apresentou a 2ª RR, documento comprovativo da apresentação do pedido de classificação do projecto como PIN+. Porém, tal documento suscita-nos algumas dúvidas quanto a sua validade, dúvidas essas que serão examinadas em sede própria.
Alega igualmente a 2ª RR que foi a CAA PIN que pediu ao Governo para o projecto ser considerado como PIN + ao abrigo do art. 1º/2 do DL 174/2008 de 26 Agosto, conjugado com o art. 2º/ 3 al. a) a f) do DL 285/2007 de 17 Agosto.
Deste modo, diz o art. 2º/3 que a CAA PIN poderá propor a classificação como PIN + dos projectos que preencham os critérios PIN, desde que preencham cumulativamente os requisitos previstos nas als. desse mesmo número. Verificou este MP que tais requisitos se encontravam preenchidos, nada obstando, portanto, a que o projecto fosse classificado como PIN +.
Quanto à concessão do estatuo de PIN+ ao projecto, feita pelo Governo por Resolução de Conselho de Ministros, consideramos que nada obsta a que fosse desse modo aprovada. Senão vejamos: diz o art. 6º/1 do DL nº 285/2007 que a classificação de um projecto como PIN + é efectuada por despacho conjunto dos ministros responsáveis pelas áreas do ambiente, do ordenamento do território e desenvolvimento regional e da economia, bem como dos demais ministros competentes em razão da matéria.
Analisando este artigo, e sabendo de antemão que o Conselho de Ministros é constituído por todos os ministros existentes, então todos os ministros referidos no mencionado art. estavam presentes quando foi feita a deliberação. Ora isto significa que o projecto foi aprovado pelos competentes ministros.
Cremos assim que é de aplicar a velha máxima de que " quem pode o mais pode o menos ", logo é nosso entender que a qualificação do projecto como PIN + não padece de nenhuma irregularidade no seu processo de aprovação.
Neste sentido, damos razão à segunda ré, quanto a impugnação do art. 12º da PI.

Licença Industrial/Ambiental:
A autora afirma que o projecto de instalação de um parque eólico se encontra sujeita a uma licença industrial, de forma a prevenir os riscos e inconvenientes resultantes da exploração dos estabelecimentos industriais, visando salvaguardar a saúde pública e dos trabalhadores, a segurança de pessoas e bens, a higiene e segurança dos locais de trabalho, a qualidade do ambiente e um correcto ordenamento do território, num quadro de desenvolvimento sustentável e de responsabilidade social das empresas, de acordo com o artigo 1º do DL 209/2008 de 29 de Outubro. A produção de energia estaria assim sujeita a licenciamento industrial nos termos do Anexo 1, Secção D, divisão 35, do DL 209/2008, conjugado com os artigos 2º/a) e 3º/1, do presente diploma. A ré apresentou prova, juntando aos autos, do documento referente á licença industrial.
A autora no articulado refere ainda no artigo 20º a expressão “licença ambiental” pressupondo que alega a necessidade da mesma para a concretização deste projecto.
Essa matéria é tratada no DL 173/2008 de 26 de Agosto. De acordo com o artigo 2º, alínea i) do presente diploma concluímos que a licença ambiental é a “decisão escrita que visa garantir a prevenção e o controlo integrados da poluição proveniente das instalações abrangidas pelo presente decreto-lei, estabelecendo as medidas destinadas a evitar, ou se tal não for possível, a reduzir as emissões para o ar, a água e o solo, a produção de resíduos e a poluição sonora, constituindo condição necessária da exploração dessas instalações”. Neste caso em apreço, o projecto pressupõe uma instalação que a alínea h) do artigo 2º define como “unidade técnica fixa na qual são desenvolvidas uma ou mais actividades constantes do anexo I, bem como outras actividades directamente associadas, que tenham uma relação técnica com as actividades exercidas no local e que possam ter efeitos sobre as emissões e a poluição” e que a doutrina entende que foi pensado para indústrias pesadas e poluentes, tal como o é a indústria do sector energético. Contudo, um parque de energia eólica não integra o objecto do Diploma na medida em que a sua actividade não consubstanciará emissões para o ar, água e solo, nem produzirá resíduos e poluição sonora. Posto isto, concluímos que a construção de um parque eólico encontra-se dispensada de uma licença ambiental.
Já relativamente ao alvará para o inicio das obras de instalação do parque eólico, este consiste num acto administrativo, de acordo com o art 120º C.P.A, traduzindo-se numa decisão de órgão da administração, que ao abrigo de direito publico, visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, consubstanciando um acto de autorização.
A autora alega que tal acto deveria ter sido emanado pela câmara municipal de Vilar de Brisa do Mar, referindo o disposto na al. a) do nº 5 do art. 64º da lei nº 169/99 de 18 de Setembro, na medida em que este consagra que compete à câmara municipal, em matéria de licenciamento e fiscalização conceder licenças nos casos e nos termos estabelecidos por lei, designadamente para construção, reedificação, utilização, conservação ou demolição de edifícios, assim como para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos. Entende assim a AA que a competência mencionada não pode ser delegada no presidente da câmara municipal, pelo que o acto padecerá de incompetência relativa, o que culminará, nos termos do art. 135º do C.P.A, na anulabilidade, enquanto desvalor residual.
Contrapõe a 2ª RR, alegando uma delegação de competências, da câmara municipal no seu presidente, ao abrigo do art. 65º/1 da referida lei nº 169/99, que dispõe, que a câmara pode delegar no presidente a sua competência, no caso da matéria prevista no art. 64º/5.
Mais contrapõe o 1º RR, que a emissão do referido alvará decorre já de um licenciamento industrial, e que nos termos dos art. 3º/1, 19º/1 e 20/1 do dl 69/2000, se encontra esse acto validamente justificado.
Cremos que o argumento não procede. Quanto ao art. 3º já nos pronunciámos em sede própria.
Em relação aos arts. 19º e 20º do DL acima mencionado, urge tecer algumas reflexões. De facto, dispõe o art. 19º, no seu nº 1 que se considera que a DIA é favorável se nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização no prazo de 140 dias, no caso de projectos constantes do anexo I, ou de 120 dias, caso de projectos constantes do anexo II, contados a partir da data da recepção de documentação prevista no nº 1 do art. 3º.
Consagra igualmente o nº 1 do art. 20º que o acto de licenciamento ou de autorização de projectos sujeitos a procedimento de AIA só pode ser praticado após a notificação da respectiva DIA, favorável ou condicionalmente favorável, ou após o decurso do prazo necessário para a produção de deferimento tácito nos termos previstos no nº 1 do art. anterior.
O MP considera que os arts. referidos não relevam no caso em apreço, na medida em que dizem respeito apenas a situações em que tenha sido emitida DIA no âmbito de uma AIA, o que não se verifica.
Posto isto, e atendendo ao argumentos alegados por ambas as partes, cumpre tomar posição na querela. E do entender deste MP, que pode efectivamente ser delegada competência da câmara municipal no seu presidente, ao abrigo do já mencionado art. 65º/1 da lei 169/99 de 18 de Setembro. Assim, consideramos que o alvará emitido não padece de qualquer vicio.

Princípio da Precaução/Prevenção:
A AA alega, no artigo 13º do articulado, que é patente a violação do Principio da precaução.
Importa antes de proferir qualquer opinião acerca da veracidade e validade da referida alegação, tecer algumas considerações doutrinárias sobre a delimitação do conteúdo de referido princípio.
Nesta questão controversa, pensamos que se deve seguir o entendimento de Vasco Pereira da Silva, adoptando uma visão ampla do Principio da Prevenção, consagrado no diploma constitucional, art. 66º/ 2 a) e no artigo 3º/a) da lei de bases do ambiente, de forma a incluir nele toda e qualquer situação, independentemente da sua origem e do seu carácter actual ou futuro, desde que apresente como característica primordial a probabilidade de lesar o ambiente (posição também seguida pelo 2º RR). Atendendo aos fundamentos alegados na causa, pelas partes, diz a AA que é este principio violado, apresentando para isso parecer 132 da Querqus (junto aos autos). Já por seu turno, o 1º RR alega que a construção do parque eólico não viola o referido princípio, uma vez que a qualidade de vida não será de todo alterada de forma negativa, por continuar a verificar-se uma conservação da natureza (artigo 5º/ 2 f) da Lei de Bases do Ambiente) e do ambiente (artigo 5º/2 a) do diploma atrás mencionado). Face ao exposto por ambas as partes, podemos considerar que, por mais avançado e eficiente que seja o parque eólico, apresentará sempre, de algum modo, perigo para algumas espécies, nomeadamente as aves que habitam e se encontram frequentemente naquela zona. Contudo, cabe por outra via salientar, que não constitui o referido projecto uma obra com vertentes apenas negativas, pois articulando o Principio da Prevenção na sua acepção ampla, com o Principio do Desenvolvimento Sustentável, previsto no artigo 66º/2 da CRP, verifica-se que os alegados prejuízos decorrentes desta construção são superados pelos benefícios que o parque proporcionará às populações circundantes da região, nomeadamente emprego e investimento estrangeiro, além dos efeitos benéficos que trará às gerações futuras.
Considerações feitas, cremos que é de seguir o fundamentação dos RR, pois que dificilmente haverá uma actividade económica que não constitua qualquer tipo de risco para o ambiente.

Da audiência dos interessados:
A participação dos interessados nos procedimentos administrativos, tem importantes funções de legitimação e melhoria da decisão administrativa final, além de ter uma garantia de protecção dos direitos dos cidadãos.
Com vista a esta participação, o CPA prevê nos seus artigos 100º e ss, a audiência dos interessados, que consagra o principio da colaboração da administração com os interessados, e o principio da participação ( arts. 7º/ 1 b) e 8º CPA, respectivamente).
Esta garantia tem também contemplação constitucional, no art. 267º/5 da CRP.
Serve a audiência dos interessados para que os cidadãos possam tomar parte na formação das decisões administrativas que lhes concernem, sendo o órgão decisor obrigado, não apenas a notifica-los, mas também a ponderar os seus argumentos na tomada das referidas decisões (mesmo que não tenham um carácter vinculativo).
Tal audiência, apenas poderá ser dispensada nos casos previstos no art. 103º CPA.
Alega a AA, que nos termos art. 100º CPA, tem de haver audiência dos interessados, não se verificando nenhuma situação de dispensa prevista no art. 103º do CPA.
Referem ainda o art. 8º da mesma lei, para mencionar que os órgãos da administração pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
Remetem também para a lei de participação procedimental e acção popular, nomeadamente os art. 1º/2 e 2º/1, para atestar que é garantida a prévia audiência das associações defensoras do ambiente e qualidade de vida quando estejam em causa obras públicas com impacte relevante no ambiente, condições económicas e sociais e da vida em geral das populações.
No pólo oposto, o 1º RR vem invocar os art. 1º e 8º da lei 83/95 por forma a demonstrar o cumprimento da participação procedimental dos interessados por acção popular, não sendo de aplicar a regra geral dos art. 100 e 103º do CPA.
Quanto ao 2º RR, afirma que efectivamente não houve lugar a audiência prevista no art. 100º CPA, no entanto esta não seria necessária, por força do art. 103º/1 c) do mesmo diploma, pois que seria incomportável para a administração pública proceder a audiência das centenas de proprietários de terrenos na proximidade da área de construção do parque eólico. Mais acrescenta que também com fundamento no art. 103º CPA, realizou-se uma consulta pública, pelo que os argumentos da AA não devem proceder.
Efectivamente pôde este MP constatar que não se realizou a audiência de interessados prevista no 100º do CPA. Considerando, o alegado pela 2ª RR de que tal audiência seria incomportável, também cremos que a solução mais adequada seria a de proceder-se a consulta pública. Todavia, dada a falta de certeza da realização dessa consulta não nos podemos pronunciar de forma mais aprofundada sobre a questão.

Face ao exposto o MP considera:

- que a área do Monte dos Vendavais se encontra integrada numa área da Rede Natura 2000, sendo, por isso, considerada Zona de Protecção Especial;

- dever ser declarada anulada a decisão que dispensa o projecto em causa de AIA, por falta de fundamentação;

- dever ser válida a classificação do projecto como PIN +;

- não ser necessária a emissão de licença ambiental, e quanto ao alvará, que este se encontra devidamente regularizado;

- não existir violação do mencionado principio da prevenção (sentido amplo), na medida em que prevalecem outros interesses e impera o desenvolvimento sustentável;
- não haver certezas quanto a realização da referida consulta pública.

Posto isto, deve a presente acção ser considerada parcialmente procedente.

As magistradas do Ministério Publico:
Dra. Bruna Sarmento
Dra. Manuela Costa
Dra. Márcia Brás