sábado, 23 de maio de 2009

Parecer do Ministério Público - Subturma 10

Supremo Tribunal Administrativo
Processo n.º 0102/09 – Acção especial de impugnação de acto administrativo e de condenação à prática do acto devido

2.ºJuizo/1.ª secção (Contencioso Admistrativo)

Venerando juiz conselheiro relator:

Os Magistrados do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, notificados nos termos e para os efeitos do art. 85.º, n.º 2, do CPTA, vêm emitir parecer sobre o mérito da presente acção, nos seguintes termos:



1. Sobre a declaração de PIN+
Vêm os AA. nestes autos – João Sirocco, Emílio Brontë e a Associação Binóculos Felizes – pedir a declaração de nulidade da resolução do Conselho de Ministros que, todos concordam, dispensou de avaliação de impacte ambiental o projecto de construção de um parque eólico de 15 torres no Monte dos Vendavais pela R. Sísifo, S.A.

Por seu turno, sustentam os RR. na presente acção que essa resolução não só dispensou de avaliação de impacte ambiental o dito projecto como também procedeu à sua classificação como projecto de potencial interesse nacional de importância estratégica (PIN+), de acordo com o previsto no art. 18.º, n.ºs 1 e 3 do Decreto-lei n.º 285/2007, de 17 de Agosto (Projectos de Potencial Interesse Nacional Classificados como de Importância Estratégica).

Cabe então, antes de mais, aferir da classificação da construção do parque eólico como PIN+.

Sem que seja possível identificar quem – se o Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar, se a Sísifo, S.A. –, referem os AA. que foi entregue ao Governo um requerimento para dar início ao procedimento que levaria à classificação do projecto como PIN+.

Isto contradizem os RR. ao referir que o procedimento em vista seria a classificação do projecto como de potencial interesse nacional (PIN) e não um requerimento de PIN+, apesar de terem demonstrado na mesma ocasião a sua opinião de que também se verificaria o preenchimento dos pressupostos desta classificação. Acrescentam ainda que a referida peça foi entregue pela Sísifo, S.A. à pessoa do Ministro da Economia.

De facto, só a Sísifo, S.A., poderia ser considerada interessada para efeitos do art. 4.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 174/2008, de 26 de Agosto (Reconhecimento e Acompanhamento de Projectos de Potencial Interesse Nacional). Nem dos autos nada nos leva a crer que assim não tenha acontecido.

De acordo com esse mesmo art. 4.º, n.º 1, do Decreto-lei 174/2008, é à comissão de avaliação e acompanhamento dos projectos PIN (CAA-PIN) que deve ser dirigido o requerimento de classificação do projecto como PIN. E é à CAA-PIN que cabe seleccionar os projectos a sujeitar à proposta de classificação como PIN+ , de acordo com o art. 3.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 285/2007.

Ora, o requerimento para classificação do projecto como PIN foi entregue ao Governo, mais propriamente ao Ministro da Economia. No entanto, de acordo com o art. 34.º, 1.º, al. a), do Código de Procedimento Administrativo, devem os agentes administrativos remeter ao órgão competente os requerimentos que, por erro desculpável, sejam dirigidos a órgão incompetente, quando ambos esses órgãos integrem o mesmo ministério. Assim terá acontecido com o requerimento apresentado pela Sísifo, S.A., que, tendo em conta o desenrolar do procedimento, terá sido remetido pelo Ministro da Economia à CAA-PIN, pois esta integra a estrutura do Ministério da Economia, do qual também é órgão aquele Ministro, de acordo com a Lei Orgânica do Ministério da Economia e da Inovação (Decreto-lei 208/2006, de 27 de Outubro).

Posto isto, a evolução do procedimento levou à aprovação pelo Governo de uma resolução que todas as partes nesta lide entendem ter decidido pela não sujeição do projecto a avaliação de impacte ambiental. Ainda assim, sustentam os AA. que o projecto não terá sido considerado PIN+, pois nenhuma referência nesse sentido consta da referida resolução. Disto discordam os RR., pois sustentam que nesse acto se decidiu tanto pela dispensa da avaliação de impacte ambiental como pela classificação do projecto como PIN, à luz do art. 18, n.º 3, conjugado com o art. 6.º, n.º 1, ambos do Decreto-lei 285/2007.

Ponto assente é que, apesar do decurso do prazo legal para tal pronúncia e da consequente consideração da proposta como indeferida por força do art. 6.º, n.º 2, do Decreto-lei 285/2007, as partes não põem em causa a eficácia do acto com base neste motivo. O que só nos pode levar a concluir que as partes neste processo consideram, quanto ao decurso dos prazos, que este acto expresso veio a sanar o procedimento em discussão.

Mas nem por isso deixam os AA. de invocar a ilegalidade da resolução por falta de fundamentação, imposta, quanto à classificação do projecto como PIN+, pelo art. 6.º, n.º 4, al. a), do Decreto-lei n.º 285/2007. Alegam os RR. que a fundamentação é suficiente, já que o art. 125.º, n.º 1, CPA obriga a que ela seja sucinta. Mas, então, exigível é que, apesar de sucinta, a fundamentação da decisão seja suficiente para demonstrar a verificação dos requisitos e das considerações que levaram à classificação do PIN+ como tal. Quer isto dizer que o que não é aceitável é que essa exposição de motivos se baste com a declaração de que há um «profundo interesse nacional em causa».

Aliás, nesses termos, a fundamentação do acto acaba por cair numa petição de princípio: é exactamente esse interesse nacional que se terá de demonstrar existir no projecto em apreço, através da concretização casuística dos requisitos necessários para a consideração do acto como PIN+ e da exposição das vantagens que a execução desse projecto acarretará. Desta forma, não se pode aceitar que a resolução do Conselho de Ministros tenha atendido aos mínimos exigíveis da sua fundamentação, pelo que padece de um vício de forma que a torna anulável, por força do art. 135.º do CPA.

Por outro lado, invocam os RR. que o facto de o seu requerimento ter sido decidido através de uma resolução do Conselho de Ministros, ao invés de o ter sido por despacho conjunto dos ministros responsáveis pelas áreas do ambiente, do ordenamento do território e desenvolvimento regional e da economia, como determina o art. 6.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 285/2007, apenas implica que foi dada ao acto forma mais solene do que a legalmente exigida, da qual não surge nenhum desvalor para a decisão.

Mas tal argumentação não pode ser considerada procedente. Apesar da al. g) do art. 200.º da Constituição da República Portuguesa estabelecer que compete ao Conselho de Ministros deliberar sobre outros assuntos da competência do Governo que lhe sejam apresentados por qualquer Ministro, não pode ser esta norma entendida no sentido de “tolerar que o membro do Governo constitucionalmente competente possa abdicar da competência que a constituição lhe confere, impondo uma deliberação colegial do Governo”, como escreve JORGE MIRANDA em anotação ao referido artigo[1]. No mesmo sentido escreve DIOGO FREITAS DO AMARAL que “isso seria uma subversão dos princípios gerais sobre competência dos órgãos administrativos, que o nosso direito público consagra, e nada permite supor que a Constituição tenha querido operar tamanha transformação. […] Seria uma alteração completa do ordenamento racional das competências que o Conselho de Ministros pudesse substituir-se […] a qualquer Ministro para resolver assuntos da competência própria deste”[2].

Posto isto, podemos apenas concluir que a resolução que classificou o projecto como PIN+ é ainda anulável, nos termos do já referido art. 135.º CPA, por incompetência relativa do órgão que a emanou.


2. Sobre a dispensa de procedimento de avaliação de impacte ambiental

Por o Monte dos Vendavais, local da execução do parque eólico proposto, integrar a Rede Natura 2000 – mais especificamente a Zona de Protecção Especial da Ribeira do Verde Gaio, como referem todas as partes –, vêm os AA. invocar que é ilegal a autorização da construção do dito parque eólico, maxime que é ilegal o alvará de construção outorgado pelo Presidente da Câmara de Vilar de Brisa do Mar, por violar o art. 10.º do Decreto-lei 140/99, de 24 de Abril.

De facto, a sujeição a avaliação de impacte ambiental de projectos como este encontra-se prevista na coluna referente às áreas sensíveis[3] da alínea i ) – aproveitamento da energia eólica para produção de electricidade –, da tabela 3 (indústria da energia), do anexo II, referente aos projectos abrangidos pela alínea b) do n.º 3 do art. 1.º, do Decreto-lei 69/2000.

Mais ainda, sendo então este um projecto susceptível de afectar de forma significativa uma ZPE, recai sobre ele uma especial preocupação quanto às suas consequências, como resulta do art. 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 140/99, que prevê para estes casos a avaliação de impacto ambiental ou a avaliação de incidências ambientais como formalidade essencial da posterior autorização.

Sendo que, nos termos referidos, este projecto se encontra sujeito a avaliação de impacto ambiental (AIA), cabe agora analisar o acto emitido pelo conselho de ministros quanto à dispensa de AIA.

Afirmam os RR. que o requerimento para dispensa de AIA foi apresentado juntamente com o requerimento de PIN de acordo com o artigo 18.º n.º 1 do Decreto-Lei 285/2007 e que como tal, cabia aos ministros competentes nos termos do artigo 6.º a decisão sobre dispensa de AIA, seguindo o n.º 3 do referido normativo.

Fizeram, contudo, os RR tábua rasa do artigo 18.º n.º 2 que estabelece uma redução para metade dos prazos previstos no artigo 3.º do Decreto-lei 69/2000.

Ora, este artigo estabelece prazos cumulativos de 15, 30 e 20 dias, não sendo neste caso aplicável o prazo de 45 dias previsto no artigo 3.º n.º 6, pois não estão em causa impactos transfronteiriços. Assim sendo, o prazo para a emissão da dispensa era de 33 dias úteis, por indicação do artigo 43.º do decreto-lei 69/2000, que foram manifestamente excedidos, pois a decisão só foi tomada quatro meses depois.

Aliás, mesmo que se considerassem os prazos gerais, o somatório de 65 dias úteis teria sido igualmente ultrapassado.

Têm, assim, razão os AA. quando invocam a formação de um indeferimento tácito nos termos do artigo 3.º n.º11 do Decreto-lei 69/2000.
Indeferimento este que não impediu o conselho de ministros de emitir um acto expresso sobre a mesma matéria em momento posterior, o que levanta um problema de compatibilidade entre os actos, cuja resolução passará sempre pela natureza que se conferir ao indeferimento tácito.

A discussão sobre a natureza jurídica do acto tácito foi alvo de intensa discussão doutrinária, principalmente antes da reforma do contencioso de 2002-2004. A questão passava sobretudo por conferir ao acto tácito o valor jurídico de verdadeiro acto administrativo, conforme era defendido por Marcello Caetano[4], ou o valor de mera ficção de acto, cujo objectivo era possibilitar a acção contenciosa por parte do interessado, opinião perfilhada por Diogo Freitas do Amaral[5] e patente no 109.º n.º1 do CPA.

Esta discussão perdeu algum vigor com a reforma do contencioso administrativo, que, ao permitir uma acção para a condenação à prática do acto devido, garantiu ao particular a tutela jurisdicional para reagir à omissão administrativa.

Daqui decorre que o acto tácito actualmente terá de ter outra dimensão, principalmente no que respeita às previsões de acto tácito estabelecidas na lei, em momento posterior à reforma contencioso, como é o caso desta norma, revista em 2005. O indeferimento tácito assume hoje um meio para garantir a celeridade administrativa e o cumprimento dos prazos pela administração, que é assim sancionada pela sua falta de diligência[6].

Tendo em conta esta nova dimensão do indeferimento tácito, a conjugação do 109.º n.º1 e do artigo 9.º do CPA, obriga a que se conclua que, actualmente, o indeferimento tácito não faça precludir o dever geral de decisão administrativa, pelo que a administração está sempre a tempo de praticar o acto expresso devido, correndo, contudo, o risco de responder pelos danos que causar com esse atraso.

Assim, a violação das formalidades legais ocorridas pela decisão administrativa extemporânea não gerarão mais do que a mera irregularidade, não impedindo por isso a eficácia do acto posterior[7].

Concretizando, existe de facto a formação de um acto tácito de indeferimento da pretensão de dispensa de AIA, acto esse que não impede a tomada expressa de decisão por parte da administração.

Todavia, este acto de dispensa de AIA sofre precisamente dos mesmos problemas que foram indicados quanto ao acto de classificação do projecto como PIN+, nomeadamente a violação do dever de fundamentação e da incompetência relativa. Quanto a este último motivo remete-se para as considerações feitas. Já quanto ao dever de fundamentação acrescenta-se que, ao contrário do que os RR. sustentam, não é suficiente a consideração do projecto como PIN+ para que estejam cumpridos os requisitos do artigo 3.º do Decreto-lei 69/2000.

De facto, é importante na decisão de dispensa de AIA a ponderação dos vários interesses em jogo, numa lógica de proporcionalidade no confronto de princípios de actuação administrativa, de forma a preencher correctamente as fórmulas legais indeterminadas e fazer um correcto uso do poder discricionário. Assim, o artigo 3º. tem um especial ónus de clareza e detalhe na fundamentação que foi, no caso ora em apreço, totalmente desprezado, não estando sequer justificadas quais as circunstâncias excepcionais que levem à aplicação desta figura.

O acto de dispensa de AIA é, pelo exposto, anulável nos termos do 135.º CPA.

No que concerne à análise da validade do alvará face à anulabilidade da decisão de dispensa de avaliação de impacte ambiental, interessa perceber se essa mesma invalidade é estendida ao alvará e em que termos.

Para este efeito, tem especial interesse o conceito de acto consequente que pode ser definido como um acto que surgiu por influência directa da prática de um acto anterior. Segundo Mário Aroso de Almeida, «para que a validade de um acto jurídico possa depender do destino de outro acto jurídico anteriormente praticado deve existir entre eles uma conexão jurídica e não meramente fáctica ou puramente lógica [...] A invalidade do acto conexo resulta, pois, de uma causa autónoma em relação àquela que determinou a queda do acto que o precedeu, que diz respeito aos seus próprios requisitos de validade e que se concretiza num vício próprio, atinente a um dos seus elementos estruturais: procedimento, sujeito, objecto, conteúdo...». Acrescenta ainda o autor: «o mesmo é dizer, [existe nulidade do acto consequente] quando se possa afirmar que o acto praticado em segundo lugar sempre teria sido inválido se tivesse sido emitido no quadro jurídico que foi repristinado pela anulação e que teria existido sem o acto que veio a ser anulado»[8] [9].

Não restam, assim, dúvidas que o acto de atribuição do alvará é um acto consequente em relação ao acto de dispensa de AIA, pois o artigo 20.º do n.º 1 do Decreto-lei 69/2000 confere ao acto que culmina o procedimento de AIA o estatuto de pressuposto essencial para o findar do licenciamento da obra. Cabe assim o caso ora em análise na previsão do artigo 133.º nº2 i) do CPA, o que ditaria a nulidade do acto.

No entanto, estabelece a segunda parte dese último artigo que a nulidade não poderá operar quando haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente. Ora a R. Sísifo tem esse dito interesse legítimo, uma vez que o alvará é um acto constitutivo de direitos, não lhe sendo dessa forma a nulidade oponível.

Tem havido, contudo, alguma doutrina a defender uma interpreatação restritiva da segunda parte da alínea i) do n.º 2 do artigo 133 do CPA. Segundo este entendimento, a exclusão da nulidade só deve intervir quando exista uma confiança digna de protecção, por aplicação do princípio da boa fé, com vista ao equilíbrio dos interesses em presença neste domínio, que devem ser ponderados, em presença do caso concreto, das consequências que para o recorrente e para o próprio interesse público adviriam da manutenção do acto consequente, por forma a evitar situações limite de manifesto desiquilíbrio na tutela a ser assegurada aos interesses em presença, ou seja, só se justificaria relativamente a terceiros, não intervenientes no processo[10].

Trata-se de considerar que a regra de que são nulos os actos consequentes de actos anulados deve apenas atingir apenas os actos ou partes do acto em que seja estritamente necessário atingir para reconstituir a situação hipotética que existiria se não tivesse sido praticado o acto anulado. É uma aplicação do princípio da proporcionalidade independentemente da posição da parte[11]-

Nesse sentido, é também interpretado restritivamente o conceito de contra-interessados para efeitos do disposto no art. 133º, n.º 2, al. i) do CPA, que para a jurisprudência são apenas aqueles que não foram parte na relação substantiva que deu origem ao acto que veio a ser anulado ou revogado, ou dito de outro modo, são terceiros beneficiários de actos administrativos consequentes do acto anulado ou revogado mas cuja situação jurídica foi definida pelo acto consequente que se integra num procedimento diferente daquele que deu origem ao acto anulado ou revogado[12].

No que respeita a R. Sisifo, teria de ser feito um juízo de globalidade para entendermos se lhe será ou não oponível a nulidade do acto. Desta forma, a reconstituição da situação hipotética que existiria se excluíssemos a existência do acto anulado era a inexistência de licenciamento, pois a conclusão do procedimento de AIA ou a sua exclusão são condições essenciais do acto atributivo do direito de edificação. Por outro lado, caberia fazer a ponderação recorrendo à boa fé e à proporcionalidade da restrição imposta ao interesse público ambiental em favorecimento da tutela da confiança legítima num acto de, pelo menos, aparencia sã.

Decisivo parece ser a exclusão da R. Sisifo do conceito de contra-interessados da alínea i) do n.º2 do artigo 133.º CPA, uma vez que esta sociedade foi parte na relação administrativa que veio a dar origem ao acto que agora deve ser anulado, tendo em conta o seu papel de proponente no procedimento de AIA.

Por tudo o que foi exposto, caberá considerar o alvará nulo, nos termos do artigo 133.º n.º 2 i) do CPA, ainda que, de acordo com a boa fé da R. Sísifo, S.A., os efeitos dessa nulidade possam ser proporcionalmente mais restritos do que aqueles que resultem do regime aplicado tout court.


3. Sobre a Relação com o Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais.

Relacionado com a questão de AIA está a integração do projecto no Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais.

Como pressupõe a conclusão a que chegámos anteriormente, não é por o dito plano já ter previsto uma instalação para a produção de electricidade pelo aproveitamento da energia eólica que um projecto que venha executar esse plano – como é o projecto da Sísifo, S.A., agora em litígio – fica, sem mais, dispensado do procedimento de avaliação de impacte ambiental. Pois se esta avaliação ambiental estratégica serve para apreciar os efeitos de um plano no ambiente, aquela avaliação de incidências ambientais visa ponderar os efeitos no ambiente de um projecto em concreto, tendo em especial atenção o facto de esse projecto visar um espaço que merece uma tutela especial, vista a biodiversidade e os habitats naturais nele presentes (art.º 1.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 140/99). Por isso, nem em sentido dessa desoneração arguem os RR., nem tal seria arguível, segundo o art. 1.º, n.º 2, do Decreto-lei 232/2007, de 15 de Junho.

4. Princípios da Proporcionalidade e da Audiência dos Interessados

Por outro lado, é também de referir que serão de acolher os argumentos dos AA. que impugnam a referida decisão por não terem sido tidas em conta alternativas localizações para a construção do parque eólico. Ainda que, como invocam os RR., essas preocupações tenham sido tomadas em conta no seu lugar próprio, i. e., no seio da Avaliação Ambiental Estratégica do plano pormenor do Monte dos Vendavais que o projecto aqui em causa visa executar. Assim estatui o art. 6.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 232/2007 e razão nenhuma decorre dos autos para que se entenda que assim não aconteceu.

Desta forma, parece ter sido essa a melhor oportunidade para salvaguardar a imparcialidade que deve reger a actuação administração, consagrada enquanto princípio constitucional no art. 266.º, n.º 2, CRP e no art. 6.º CPA. Nessa sua vertente positiva de consideração e ponderação de todos os interesses públicos e privados relevantes para a decisão do procedimento, especialmente tendo em conta alternativas de localização do parque eólico de Monte dos Vendavais previsto no seu plano pormenor, há-de o princípio da imparcialidade ter sido observado no decorrer do procedimento de avaliação ambiental estratégica do referido plano pormenor.

Mas esta conclusão não significa que a ponderação dos vários interesses em conflito na realização do plano pormenor precluda a aplicação do princípio da imparcialidade durante o procedimento agora em litígio. Nomeadamente, se novos e atendíveis interesses surgiram desde então, ou se os interessados não tiveram antes oportunidade de se pronunciar, serão agora as suas razões ponderadas, à luz do dito princípio da imparcialidade, desde que tais interesses sejam agora trazidos ao conhecimento da administração.

Essencial para que assim seja é, então, que se assegure aos cidadãos a sua participação no procedimento administrativo e na formação das decisões ou deliberações de desse procedimento surjam, conforme previsto no art. 265.º, n .º 2, CRP, concretizado no art. 100.º CPA.

Desta forma, cabe ao órgão instrutor demonstrar que cumpriu o seu dever de proporcionar aos interessados a oportunidade de se pronunciarem sobre o procedimento em curso, até porque exigir ao administrado a prova desse incumprimento revela-se de uma dificuldade intolerável, se não mesmo impossível.

Posto isto, não basta que os RR. sustentem que tenha sido realizada uma consulta pública para esse fim, sem que comprovem os fundamentos que levaram à opção pela consulta pública, nos termos do art. 103.º, n.º 1, al. c) CPA e que cumpriram as exigências legais atendíveis, i.e., a afixação do edital nos locais de estilo, de acordo com o previsto art. 70.º, n.º 1. al. d) do mesmo Código.

Assim sendo, por preterição da audiência dos interessados prevista no n.º 1 do art. 100.º do CPA, deve o referido alvará ser anulado, já que, como antes decidiu este Tribunal, «essa preterição não pode ser causa de nulidade do respectivo acto administrativo conforme o disposto no art. 133, n. 2, alínea d) e f), daquele Código, podendo apenas inquiná-lo de anulabilidade»[13].

Por isso, tendo em conta que a preterição da audiência dos interessados impediu João Siroco de expor os seus motivos e interesses, não se pode dizer que o princípio da imparcialidade tenha sido plena e satisfatoriamente observado, já que assim, como invocam os AA., fundamentando-se na doutrina de MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, nem todos os interesses relevantes para esta actuação foram tomados em consideração e ponderados.

5. Do Procedimento de Licença Ambiental

Considera o A. Emilio Brontë dever ser sujeito o projecto em apreço ao procedimento de licença ambiental. Não consideramos de acolhar tal pretensão.

O Decreto-lei 173/2008 aprovou o regime jurídico relativo à prevenção e controlo integrados de poluição, estabelecendo que as instalações para os efeitos desse diploma estão sujeitas a licença ambiental, conforme artigo 3.º n.º1 em conjugação com o artigo 2.º h).

Acontece que, ao contrário do que afirma o A., o projecto em causa de construção de um parque eólico não se encontra previsto no anexo I do Decreto-lei 173/2008, pelo que o parque eólico não é uma instalação para efeitos desse diploma e, como tal, não se encontra sujeito ao procedimento de licença ambiental.

Assiste razão os RR. no que referem a este respeito.

6. Sobre o Princípio da Precaução

Invocam ainda os AA. que o procedimento em causa nesta lide violou o princípio da precaução. O conteúdo deste princípio é facilmente explicado citando a Declaração do Rio: “Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adopção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação do meio ambiente.”[14]

Há em relação a esse ponto a realçar que muitas são as críticas a uma abordagem forte a esse princípio, no sentido de se defender que caberia ao interessado demonstrar que a sua actividade comporta raros ou nenhuns riscos. Na sua Comunicação Relativa ao Princípio da Precaução, a Comissão Europeia recusa a utilização deste princípio para a “procura de um nível zero de risco que, na realidade, apenas raramente se consegue alcançar” . Por outro lado, como decidiu o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias no acórdão Pfizer, “não pode existir um nível de «risco zero», na medida em que não pode ser cientificamente provada a ausência total do menor risco actual ou futuro relacionado com a [actividade]”[15].

Posto isto, a aplicação deste princípio nesses termos levaria à estagnação tecnológica, porque sempre seriam de recusar novas técnicas ou indústrias que não provassem ser isentas de riscos para o ambiente[16].

A abordagem a tomar em relação ao princípio da precaução há-de ser uma mais próxima daquela que resulta da citada Comunicação da Comissão Europeia e da Jurisprudência do Tribunal de Justiça: o princípio da precaução alinha-se com o princípio da proporcionalidade para criar um critério segundo o qual uma medida tomada ao abrigo da precaução é desproporcionada se, “no quadro de uma avaliação custos/benefícios, [os] inconvenientes são excessivos em relação às vantagens que resultariam de uma ausência de acção”[17]. Custos e benefícios estes que serão menos de natureza económica – até porque os cômputos económicos pressupõem valores e certezas que, no âmbito da dúvida em que funciona o princípio da precaução não dispomos e porque, primordialmente, o que este princípio preconiza é a prevalência dos valores económicos sobre os valores do mercado – e mais de natureza social e política.

Ora essa há-de ter sido uma preocupação subjacente à adopção das medidas que vieram a consagrar a possibilidade de existência de parques eólicos em sítios que a própria lei designou de áreas sensíveis. Não concluindo daqui que o princípio da precaução não poderá relevar no caso concreto, esse foi o momento privilegiado para atender a este princípio. Assim sendo, podemos apenas dizer que, por meio do raciocínio exposto acima, o legislador entendeu que as vantagens inerentes à produção de electricidade através da energia eólica superam os riscos que essa actividade poderá vir a revelar. Porque este é um juízo que cabe na discricionariedade do Legislador, não cabe ao Tribunal pronunciar-se sobre o seu mérito, até porque esta opção política e legislativa não parece, em abstracto, ser manifestamente desproporcional, nem nos autos as partes levantam sequer a dúvida no sentido dessa desproporcionalidade.

Claro está, discutimos aqui em termos gerais e abstractos os riscos e as incertezas que rodeiam a exploração da energia eólica. Ou seja, se nos debruçámos até aqui em termos gerais sobre esse meio de produção de energia eléctrica, nada impede que no caso concreto a instalação seja apta a pôr em causa os interesses ambientais do meio em que se insere. No entanto, para além das dúvidas gerais que tratámos, nada nos autos demonstra que este projecto em concreto, apresentado pela Sísifo, S.A., representa um risco intolerável para a ZPE da Ribeira do Verde Gaio.

Sempre será de reforçar que, tratando-se de uma decisão que cabe na margem de livre decisão do órgão competente, o tribunal apenas poderá sindicá-la dentro dos limites de proporcionalidade, sob pena de usurpação de funções.

7. Sobre o Direito de Acesso à Informação

No que respeita ao direito à informação, são princípios basilares da actuação administrativa a cooperação e transparência, pelo que é a própria constituição que estabelece o direito dos administrados acederem aos registos da Administração (cfr. 268.º n.º2). Neste prisma, o CPA prevê no artigo 7º o princípio da colaboração e no 8.º o princípio da participação, sendo corolário deste espírito 61.º do CPA, também conhecido como princípio do «open-file».

Especificamente no que respeita ao acesso à informação ambiental, a matéria é regulada pela lei 19/2006 que impõe especiais deveres de informação às autoridades públicas de onde se destaca o artigo 6.º nº1 onde é referido que o particular tem o direito de acesso à informação ambiental sem necessitar de justificar o seu interesse. Portanto, têm as autoridades públicas o dever de prestar a informação ambiental requerida, podendo só mesmo negar-se a essa prestação nos casos do artigo 8.º dessa mesma lei.

É assim ampla e plenamente reconhecido o direito do A. João Sirocco aceder à informação que ele entenda por conveniente.

Face ao exposto o ministério público considera:

· Dever ser anulada a decisão que confere o carácter de PIN + ao projecto em causa por falta de fundamentação e incompetência relativa do Conselho de Ministros.

· Dever ser declarada anulada a decisão que dispensa o projecto em causa de Avaliação de Impacto Ambiental por falta de fundamentação e incompetência relativa do Conselho de Ministros.

· Dever ser declarado nulo o alvará por nulidade superveniente do acto consequente de emissão de alvará, de acordo com o artigo 133.º 2 i) do CPA, nulidade esta que consome aquela anulabilidade gerada pela preterição da audiência dos interessados.

· Ter sido violado o princípio da imparcialidade

· Que o projecto não deve ser sujeito a licença ambiental por estar fora do âmbito do Decreto-lei 173/2008.


· Não existir matéria para concluir pela violação do princípio da precaução.

· Dever ser plena e amplamente reconhecido ao A. João Sirocco o direito incondicional de acesso à informação ambiental.



Lisboa, 23-05-2009
Os Procuradores Gerais Adjuntos
Eduardo Antunes
Samuel Henriques

[1] JORGE MIRANDA – RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 746
[2] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª Edição (Reimpressão da Edição de Novembro de 2006), Almedina Editora, Coimbra, p. 268
[3] Conceito concretizado em relação às zonas de protecção especial pelo art. 2.º, al. b), subal. ii) do Decreto-lei 69/2000
[4] Manual de Direito Administrativo I –pp 476-477
[5] Curso de Direito Administrativo, vol II – pp. 334-335
[6] Contra a proliferação de actos tácitos no pós contencioso 2002-2004 e criticando severamente a figura, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos –Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa tomo III pag. 400 -401.
[7] Diogo Freitas do Amaral, ob. Cit., pag 417-418
[8] Mário Aroso de Almeida, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes
[9] Foi o entendimento acolhido pelo Ac. STA 30-01-2007.
[10] Mário Aroso de Almeida, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes.
[11] Ac. Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de Março de 2007.
[12] Foi o entendimento do Tribunal Central Administrativo Norte de 19 de Outubro de 2006.
[13] Cfr. Ac. STA de 15-12-1994, Processo 034824; no mesmo sentido, Ac. STA de 3-11-1994, Processo 033837
[14] Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento (1992), Princípio 15, disponível em: http://www.un.org/documents/ga/conf151/aconf15126-1annex1.htm
[15] Caso T-13/99, §145
[16] VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Livraria Almedina, Coimbra, 2002, pp. 70 e 71
[17] Ac. Pfizer, Caso T-13/99, §413