quinta-feira, 14 de maio de 2009

Parecer do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (subturma 12)

Parecer do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade sobre o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) relativa à instalação de um parque eólico com 15 torres de produção de energia no Município de Vilar de Brisa do Mar.


O Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade tem por objectivo prosseguir as politicas nacionais da conservação da natureza e assegurar a gestão da rede nacional de áreas protegidas.
Os seus Estatutos, aprovados pela Portaria nº580/2007 de 30 de Abril, que desenvolve o Decreto-Lei nº134/2007, de 27 de Abril, estabelecem no artigo 4º alínea d) que o Instituto tem como competências: “Garantir a integração dos objectivos de conservação da natureza e da biodiversidade nos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional, regional ou municipal, designadamente os decorrentes do plano sectorial da Rede Natura 2000” e “Assegurar a participação nos processos de avaliação de impacte ambiental e a pronúncia nos processos de estudos e análises de incidências ambientais”, como consta na alínea q).
Dispõe o artigo 9º da Constituição da Republica Portuguesa:
“São tarefas fundamentais do Estado:
e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”.
No que respeita à interpretação deste preceito constitucional, devemos atender ao que escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada: “ a alínea e) deste artigo 9º da CRP atribui ao Estado, como tarefa fundamental a defesa, a protecção e valorização desses elementos concretizadores da República Portuguesa: o património cultural, a natureza e o ambiente. Aliás, não se trata sequer de simples obrigação unilateral do Estado mas também, em vários aspectos, de verdadeiros direitos e deveres dos cidadãos: direito ao ambiente e de o defender (art.66º), direito á fruição do património e o dever de o defender (art.78º) ”. Em sentido equivalente escrevem também Jorge Miranda e Rui Medeiros, na Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Introdução Geral “Onde, ainda no art.9º, as tarefas fundamentais do Estado relativas ao património cultural e à língua portuguesa [alíneas e) e f) completadas pelo disposto no art.66º, maxime nº2, alíneas b), c), e) e g)]”; e “De criticar a adopção a par dos direitos económicos, sociais e culturais dos direitos ambientais como se fossem, ou fossem todos da natureza desses. Como se verá, a propósito do art.66º, há também, e não pouco importantes, direitos ambientais com estrutura de direitos, liberdades e garantias”.
É opinião doutrinária maioritária que o art.9º alínea e) da CRP deve ser lido em conjunto com o art.66º nº1 da CRP, que reconhece a todos o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. Neste sentido escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira “ A compreensão antropocêntrica de ambiente justifica a consagração do direito ao ambiente como um direito constitucional fundamental, o que constitui uma relativa originalidade em direito constitucional comparado”.
O direito ao ambiente é, desde logo, um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção por parte do Estado e de terceiros de acções ambientalmente nocivas, art.66º n3. Nesta dimensão negativa, o direito ao ambiente é seguramente um dos “direitos fundamentais de natureza análoga” a que se refere o art.17º, sendo-lhe, portanto, aplicável o regime constitucional específico dos “direitos liberdades e garantias”. Por outro lado, trata-se de um direito positivo e de uma acção do Estado (nº2), no sentido de defender o ambiente e de controlar as acções poluidoras, impondo-lhe as correspondentes obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais.
Ao atribuir esta dupla dimensão ao direito do ambiente, este preceito reconhece e garante expressamente a dupla natureza implícita na generalidade dos chamados direitos sociais, simultaneamente direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados.
O nº2, articulado com outros preceitos constitucionais [art.9º alínea e, art.81º alínea a e n) e art.96º d)], sugere os princípios fundamentais de uma política de ambiente, que são fundamentalmente os seguintes:
a) O princípio da prevenção, segundo o qual as acções incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remedia-la à posteriori ( nº 2/a, c e d);
b) O princípio da participação colectiva, isto é, a necessidade de os diferentes grupos sociais interessados intervirem na formulação e execução da política do ambiente (corpo do nº2: “apelo e apoio das iniciativas populares”);
c) O princípio da cooperação, que aponta para a procura de soluções concentradas com outros países e organizações internacionais (art.81º alínea n) e 91º: desenvolvimento harmónico integrado e auto-sustentado.

A defesa do ambiente pode justificar restrições a outros direitos constitucionalmente protegidos. Assim por exemplo, a liberdade de construção, muitas vezes se considera inerente ao direito de propriedade é hoje configurada como “liberdade de construção potencial”, porque ela apenas se pode desenvolver no âmbito ou no quadro de normas jurídicas, nas quais se incluem as normas de protecção do ambiente. O direito de propriedade está sujeito a medidas planificadoras de protecção do ambiente (planos de ordenamento territorial, desenvolvimento de reservas e parques, classificação e protecção de paisagens). Noutras hipóteses, a utilização dos solos está sujeita a uma complexa rede de planos de ordenamento, autorizações, licenças, proibições, materialmente constituídas de ónus ou restrições socialmente adequadas, nuns casos, ou de sacrifícios especiais legitimadores de um direito indemnizatório, noutros casos.
Desta forma, e no que concerne ao enquadramento constitucional do Direito do Ambiente, a CRP não define nem distingue os conceitos “ambiente e qualidade de vida”, usados de modo ligado no art.66º. Assim, o “ambiente de vida” é o ambiente que permita uma qualidade de vida, sendo que o conceito de ambiente deve ser configurado de modo unitário, integrando uma vertente ecológica como “modo de ser global da realidade natural”.
Já no que respeita ao conceito de qualidade de vida, ele é o resultado da interacção de múltiplos factores no funcionamento das sociedades, traduzindo-se numa situação de bem-estar físico, mental, cultural e social. Deste modo, engloba duas vertentes, na sua vertente negativa obriga não só os particulares mas também o estado á obstrução de práticas ambientalmente nocivas. Trata-se, pois, de um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias a que se refere o art.17º da CRP. Na suar vertente positiva, impõe um dever de defesa do ambiente, impondo a todos que não poluam e que impeçam que os outros o façam.
Enquanto deveres do Estado, como tarefa fundamental deste, consistem em quatro incumbências:
- A defesa dos espaços naturais de maior valor;
- O ordenamento do espaço territorial;
- A gestão da utilização dos recursos naturais;
- A intervenção nos espaços ambientalmente degradados (consistindo este último na replantação de florestas, recuperação de áreas urbanas, regeneração de rios poluídos, etc.)
O direito ao ambiente é, pois, um direito fundamental autónomo, podendo mesmo falar-se num direito estruturalmente ecológico, implicando naturalmente elementos económicos, sociais e culturais.
A Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) foi inicialmente vista como uma técnica de direito interno até se afirmar como princípio da acção protectora internacional em vários domínios. De facto, foram os EUA com a elaboração da “National Environmental Protection Act” que dera os primeiros passos nesta matéria.
A noção de “impacte ambiental” traduz a ideia de uma alteração da realidade existente na sequência de uma intervenção humana. Nos termos do art.2º alínea e) do Decreto-Lei 69/2000, onde se encontra definida a AIA, tem entre outros méritos, o de destacar de imediato a caracterização da AIA como instrumento de carácter preventivo da política do ambiente, sendo porventura o mais importante instrumento específico na política e do direito do ambiente até hoje criado. A AIA encontra-se intimamente ligada a um dos fundamentais princípios de direito do ambiente, o princípio da prevenção. Este princípio significa que os estados devem adoptar condutas que permitam antecipar as causas de um prejuízo tendencialmente irreversível para os bens ambientais, tentando evitar a sua eclosão.
Nos termos do art.3º nº2 do referido diploma legal para haver lugar a dispensa da AIA, o proponente deve apresentar à entidade competente para licenciar ou autorizar o projecto um requerimento de dispensa do procedimento de AIA devidamente fundamentado. Todavia, este requisito da fundamentação não parece ter sido respeitado, uma vez que esta é manifestamente insuficiente, pois refere apenas que se previa uma instalação do género, o que é um argumento muito vago para justificar esta dispensa.
O proponente deveria ter prestado um conjunto de informações, nomeadamente a descrição do projecto, alternativas, efeitos ambientais, resumo não técnico, além de que as autoridades e o público deveriam ter sido consultados, bem como deveria ter sido elaborado um relatório e a descrição dos efeitos negativos e positivos.

A participação das autoridades competentes permite nomeadamente:

- Decidir em que circunstancias o projecto pode ser desenvolvido;
- Garantir o segredo industrial e comercial;
- Certificar que o estudo de impacte está em conformidade com a lei;
- Favorecer consultas com outras autoridades co-responsáveis no domínio do ambiente;
- Garantir uma adequada informação do público interessado;

A participação do público permite:

- Recolher informação adicional sobre o impacte do projecto na qualidade de vida;
- Função da pacificação social;
- Fomentar o diálogo entre a administração e os administrados;


Nos termos do artigo 98º nº2 do CPA, os pareceres são regra geral obrigatórios e não vinculativos. Nos termos do art.3º nº4 do Decreto-Lei 69/2000, a Autoridade de AIA deveria ter remetido ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território o seu parecer. Este parecer não foi realizado.
Além de tudo isto, a dispensa deve prever medidas de minimização do impacte ambiental considerados relevantes a serem impostas no licenciamento ou na autorização do projecto nos termos do disposto no art.3º nº4 última parte do referido diploma legal.
Nos termos do art.5º, as entidades intervenientes no procedimento de avaliação de impacte ambiental são:
- A entidade licenciadora;
- Autoridade de AIA;
- Comissão de avaliação;
- Entidade coordenadora de apoio técnico;

De acordo com o art.18º nº1 a decisão de impacte ambiental cabe ao Ministro do Ambiente no prazo de 15 dias contados a partir da recepção da proposta da autoridade de AIA.
No que diz respeito à marcha do procedimento é de realçar que ela se processa da seguinte forma:
1) O procedimento é desencadeado pelo proponente, sendo que este deve apresentar, designadamente, um estudo de impacte ambiental (EIA) à entidade licenciadora (art.12º);
2) Depois da autoridade licenciadora enviar os documentos à autoridade de AIA, deve esta última nomear uma comissão de avaliação para apreciação técnica que emite um parecer preliminar no de 30 dias (art.13º);
3) Discussão pública e participação dos interessados (art.14º e 15º);
4) A comissão de avaliação elabora um parecer final no prazo de 25 dias, a contar da recepção do relatório da consulta pública (art.16º nº1)
5) Proposta de decisão de impacte ambiental feita pela autoridade de AIA, deve ser remetido para o Ministro do Ambiente e Ordenamento do Território (art.16º nº2);
6) A decisão de impacte ambiental é da competência do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, o qual pode ser favorável, condicionalmente favorável ou desfavorável (art. 17º e seguintes).

No que concerne à questão do João Siroco, dono de alguns terrenos perto do Monte dos Vendavais, que se queixa de não ter tido oportunidade de se pronunciar sobre a construção do parque eólico e de, hoje em dia, ninguém lhe facultar o acesso às respectivas, partilhamos das palavras assertivas de Carla Amado Gomes in O Direito à Informação Ambiental: Velho Direito, Novo Regime, texto publicado na Revista do Ministério Público, nº109, 2007 assim a necessidade de promover a “ cidadania ambiental” vincula as autoridades públicas ao cumprimento das seguintes tarefas, no âmbito da divulgação da informação – sempre que possível através de meios electrónicos – em matéria ambiental (art.4º da LAIA):
a) Disponibilizar ao público listas com a designação das autoridades públicas;
b) Disponibilizar ao público listas ou registos de informação de ambiente na fase das autoridades públicas ou detidas em nome das autoridades públicas ou indicação onde a informação está acessível;
c) Designar, em cada autoridade pública, o responsável pela informação e divulgar ao público a sua identidade;
d) Criar e manter instalações para consulta da informação;
e) Informar o público sobre o direito de acesso à informação e prestar apoio no exercício;
f) Adoptar procedimentos que garantem uniformização da informação sobre ambiente de forma a segurar informação exacta, actualizada e com provável.

A actualização da informação é um imperativo em sede ambiental, em razão da célere mutação do estado de preservação dos elementos naturais e da progressiva consciencialização das entidades públicas e privadas para a necessidade da sua protecção. O art. 5º da LAIA dispõe sobre este dever de actualização, activa e sistemática, da informação ambiental, que deverá ser progressivamente disponibilizada “ em bases de dados electrónicos facilmente acessíveis ao público através de redes públicos”.
Posto isto, continua “o acesso a informação sobre o ambiente pode traduzir-se em duas modalidades: a (mera) consulta de dados e a obtenção documentada de dados informativos. Esta última, que a lei identifica como “disponibilização de informação”, pode ser requerida por qualquer pessoa sem que necessite justificar o seu interesse (art.6º nº1). Deverá faze-lo por escrito, em requerimento assinado de onde constem: os elementos essenciais da sua identificação e indicação do local de residência (art.6º nº2); a determinação precisa dos elementos de informação que pretende (art.8º da LAIA) – sublinhe-se que a autoridade administrativa deve, por seu turno, esclarecer os métodos de avaliação do estado dos componentes ambientais subjacentes à informação fornecida nessa sede (art.7º da LAIA); o formato em que deseja ser-lhe fornecida a informação (art.10º da LAIA); relativamente à audiência dos interessados, art.100º CPA parece que tal formalidade foi preterida, levando à prática de um acto nulo ao abrigo do art.133ºCPA.

Quanto à alegação por parte do réu do plano de pormenor do Monte do Vendavais, que tinha sido sujeito a avaliação de impacte ambiental, já prever uma instalação do género naquele local, releva neste sentido as palavras certeiras do Prof. Vasco Pereira da Silva “de grande relevância para a tutela ambiental são os planos, designadamente em matéria de ordenamento do território e do urbanismo”. Trata-se de actuações administrativas que “em vez de um processo de decisão baseado no esquema, se/então – ou esquema previsão/consequência – obedecem antes ao esquema fim/meio, constituindo actuações finalísticas ou normas programadas que permitem a administração de uma ampla liberdade de escolha dos meios necessários para alcançar esses fins.


Concluímos, portanto, que o direito do ambiente é um direito à obstrução por parte do Estado e de terceiros, de acções ambientalmente nocivas. Trata-se de um direito análogo aos direitos liberdades e garantias na medida em que o sei conteúdo é determinado (ou determinável) ao nível das opções constitucionais, sendo, por isso, aplicável o regime dos direitos liberdades e garantias.
Embora inicialmente vista como uma técnica de direito interno a AIA veio afirmar-se como princípio da acção protectora em domínios. Este conceito de “impacte ambiental” refere-se, portanto, à alteração da realidade existente em virtude da acção humana. Trata, pois, do mais importante instrumento específico da política ambiental.
No nosso entender, alguns dos requisitos necessários para haver dispensa da AIA não foram respeitados:
- Falta de fundamentação;
- O proponente não prestou as informações necessárias;
- As autoridades e o público não foram consultados;
- Não foi elaborado um relatório com os efeitos positivos e negativos;
- O parecer da AIA não foi realizado;
- A dispensa não previa medidas de minimização do impacte ambiental;