sexta-feira, 22 de maio de 2009

Parecer do Ministério Público - Subturma5

Supremo Tribunal Administrativo
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Parecer do Ministério Público

Exmo. Sr. Juiz de Direito do Supremo Tribunal Administrativo[1]
As Magistradas do Ministério Público, Ana Carina Baeta e Ana Marta Marcos, notificadas nos termos e para efeitos do artigo 85º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vêm por este meio emitir parecer sobre o mérito da causa no processo que reúne as pretensões de Emílio Brontë, da associação “Os Binóculos Felizes” e de João Siroco, ao abrigo do artigo 47º CPTA, tendo como réus a empresa Sísifo, SA, o Conselho de Ministros e a Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar.

1. Da legitimidade das partes
1 – Quanto à legitimidade activa, estamos perante uma acção administrativa especial, visando a impugnação de acto administrativo. Sendo assim, os Autores Emílio Brontë, João Siroco e “Os Binóculos Felizes” têm, de acordo com o artigo 55º/1/a)c) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, legitimidade para impugnar actos administrativos, uma vez que, como se vai demonstrar, foram lesados nos seus direitos legalmente protegidos.
2 – Quanto à legitimidade passiva, encontra-se igualmente preenchido o artigo 57º CPTA em relação a todos os demandados.

2. Da Avaliação de Impacto Ambiental
1 – A localização do parque eólico encontra-se numa área da Rede Natura 2000, mais concretamente, a Zona Protecção Especial da Ribeira do Verde Gaio. De acordo com o artigo 2º/b)ii) DL 69/2000, trata-se de uma área sensível.
2 – Visto que se trata de um parque eólico com mais de 10 torres (15) localizado numa área sensível, estaria o projecto sujeito a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) por força do artigo 1º/2, Anexo 2, ponto 3, al. i) do Decreto-Lei 69/2000.
3 – Deu entrada um pedido de dispensa de AIA, que segundo apurámos seguiu os trâmites do artigo 3º DL 69/2000.
4 – A dispensa de AIA foi aprovada pelo Governo através de resolução do Conselho de Ministros. De acordo com o artigo 3º/1/5, a decisão do pedido de dispensa de AIA deveria ser feita mediante despacho conjunto do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e do ministro da tutela. A questão que se coloca é a seguinte: pode a dispensa de AIA ser aprovada por resolução do Conselho de Ministros, uma vez que é uma forma mais solene de decisão? Uma vez que a ratio do artigo 3º/1/5, ao exigir despacho conjunto do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e do ministro da tutela, parece visar, além do controlo efectivo do cumprimento dos procedimentos legais, a garantia da concordância do Governo com o projecto, quer-nos parecer que a aprovação da dispensa de AIA por resolução do Conselho de Ministros não choca com os objectivos visados pelo artigo 3º/1/5 DL 69/2000. Se “quem pode o mais, pode o menos”, não nos parece que o recurso a uma forma mais solene de decisão possa corromper as finalidades do artigo 3º DL 69/2000. Posto isto, entendemos como formalmente válida a resolução do Conselho de Ministros para dispensa de AIA.
5 – Porém, a aprovação da dispensa de AIA só ocorreu passados quatro meses da apresentação do pedido ao Governo pela autoridade de AIA. De acordo com o artigo 3º/7 DL 69/2000, o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e o ministro da tutela teriam um prazo de 20 dias para decidirem do pedido de dispensa. Esse prazo não foi, claramente, respeitado. Sendo assim, por força do disposto no artigo 3º/11, o pedido de dispensa seria tacitamente indeferido.
6 – No entanto, o Governo vem, efectivamente, a aprovar por resolução do Conselho de Ministros o pedido de dispensa de AIA. Podemos entender estar perante uma revogação do indeferimento (acto administrativo anterior)? A resposta parece ser afirmativa. Seguindo o entendimento de Diogo Freitas do Amaral[2] e Mário Esteves de Oliveira[3], vigora a regra da livre revogabilidade dos actos administrativos válidos. “Os actos válidos, quando a revogação seja admitida, podem ser revogados a todo o tempo e, obviamente, apenas com fundamento na sua inconveniência”, com efeitos apenas para o futuro. Sendo assim, nada obsta à validade da resolução do Conselho de Ministros que aprovou a dispensa de AIA.
7 – Ao aprovar a dispensa de AIA, o Governo fundamenta-a no “profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia”. Estará preenchido o requisito substancial para dispensa de AIA: “Em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas” (artigo 3º/1 DL 69/2000)?
Defendendo uma resposta afirmativa, as partes vêm alegar que:
a) “É uma medida não só urgente para a poupança dos recursos não renováveis, como uma medida urgente para criar postos de trabalho e para o desenvolvimento da região a curto, a médio e a longo prazo”;
b) “A construção é sem dúvida um projecto excepcional de relevante interesse a nível local e a nível nacional”.
Os argumentos parecem vazios de conteúdo, não podendo, em caso algum, serem entendidos como “circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas”. Para além de não ter sido demonstrada a “excepcionalidade” das circunstâncias em causa, é claro que não houve uma fundamentação devida. Afirmar que se trata de “um projecto excepcional de relevante interesse” e de “uma medida urgente” não concretiza nem fundamenta os motivos que levaram à decisão de dispensa de AIA.
Aditam ainda que “uma das razões invocadas foi o facto de o Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais, que tinha sido sujeito a avaliação de impacto ambiental, já prever uma instalação do género naquele local”. Este elemento também não deve pesar na argumentação. O Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais encontrava-se sujeito a avaliação de impacto ambiental estratégica, por força do artigo 3º/1/a)b) DL 232/2007, tudo levando a crer que seguiu os trâmites do procedimento. Porém, a existência de avaliação de impacto ambiental estratégica não torna desnecessária a avaliação de impacto ambiental de projectos (artigo 1º/2 DL 232/2007), pelo que a avaliação positiva do Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais não releva na apreciação da avaliação de impacto ambiental de projectos.
8 – Haveria sempre lugar à publicitação da decisão de dispensa de AIA, nos termos do artigo 14º DL 69/2000, ex vide artigo 3º/9. De acordo com o artigo 14º/2/b), deveria ter existido uma consulta pública com duração de 20 a 30 dias, de modo a que os interessados se pudessem manifestar (artigo 14º/3). De acordo com o artigo 2º/k), “interessados” serão os “cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, com residência, principal ou secundária, no concelho ou concelhos limítrofes da localização do projecto, bem como as suas organizações representativas, organizações não governamentais de ambiente e, ainda, quaisquer outras entidades cujas atribuições ou estatutos o justifiquem, salvo quando aquelas estejam sejam consultadas no âmbito do procedimento de AIA”. Esta disposição coloca problemas de compatibilização com a Lei de Acção Popular e com o artigo 53º CPA: se falarmos num direito ao ambiente enquanto direito fundamental, direito esse entendido em termos de tal modo latos que abarcará qualquer dano ambiental que ocorra em território português, tal não se coadunará com a letra do artigo 2º/k). Poder-se-ia entender o artigo 2º/k) inconstitucional por restringir o direito ao ambiente? Porém, aqui, o problema não se coloca uma vez que todas as partes são “interessados” de acordo com o artigo 2º/k).
É de salientar que, nos termos do artigo 12º DL 285/2007, uma vez que o requerimento de dispensa de AIA e o requerimento para classificação como PIN+ são entregues conjuntamente, todos os trâmites devem igualmente correr em simultâneo. Tal inclui a audiência dos interessados (artigo 12º/3 DL 285/2007), bem como o período de consulta e publicitação, tendo o prazo mínimo de 22 dias (artigo 14º/1/3 DL 285/2007).
Tanto quanto se apurou, essa consulta pública não existiu. Quais as consequências? A preterição de audiência pública dos interessados (direito constitucionalmente garantido pelo artigo 267º/5 CRP e princípio administrativo central – artigo 8º Código de Procedimento Administrativo) trata-se de um vício de procedimento, de tal modo grave, que inquina a validade da actuação administrativa. Citando as opiniões de Vasco Pereira da Silva[4] e Sérvulo Correia, “quer pela via da qualificação do direito de audiência como direito fundamental, quer pela via dos direitos fundamentais afectados pelas actuações administrativas terem de resultar de um procedimento participado e em que os privados seus titulares sejam ouvidos, quer ainda pela conjugação de ambas as perspectivas, chegamos à conclusão de que uma decisão administrativa praticada sem a audiência dos particulares interessados viola o conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que deve ser considerada nula, nos termos do artigo 133º/2/d) CPA”.

3. Do Plano de Pormenor Municipal
1 – De acordo com o artigo 3º/1/a)b) DL 232/2007, o Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais estaria sujeito a avaliação de impacto ambiental estratégica: trata-se de um plano elaborado por autoridades locais (artigo 2º/b)i), que não respeita à defesa nacional ou à protecção civil (artigo 2º/b)ii), para o sector da energia (artigo 3º/1/a), com eventuais efeitos numa zona de protecção especial (artigo 3º/1/b).
2 – Porém, tal informação é, aqui, irrelevante, uma vez que a avaliação de impacto ambiental estratégica não prejudica a aplicação do regime de avaliação de impacto ambiental de projectos (artigo 1º/2 DL 232/2007).

4. Do PIN+
1 – A CAA-PIN (art. 2º/2 DL 285/2007) apresentou o projecto de instalação do parque eólico de Monte dos Vendavais como proposta de classificação como PIN+ aos ministros competentes (art. 5º/1 DL 285/2007).
2 – A classificação como PIN+ está dependente da cumulação de um conjunto de requisitos:
a) Tem de ser PIN (art. 1º/2 DL 174/2008)
Tem de comprovar a compatibilidade com a Rede Natura. Trata-se de matéria contradita, a provar em juízo.
b) Reunir os requisitos do artigo 2º/3 DL 285/2007.
3 – O artigo 8º DL 285/2007 explicita em que se traduz o regime especial dos projectos PIN+. No caso vertente, são particularmente importantes os seguintes pontos:
e) Obrigatoriedade de definição do âmbito do EIA nos casos em que o projecto esteja abrangido pelos Anexos 1 e 2 do DL 69/2000 (que é o caso);
f) Período único de consulta pública;
c) Tramitação simultânea dos procedimentos administrativos;
l) Aprovação de resolução do Conselho de Ministros exprimindo, em termos definitivos, a concordância do Governo com o projecto.
4 – Sendo assim, a Sísifo, SA deveria ter apresentado à autoridade de AIA (no caso, a direcção regional do ambiente – artigo 7º/1/b) DL 69/2000) proposta de definição do âmbito do EIA, contendo uma descrição sumária do tipo, características e localização do projecto, sendo acompanhada de uma declaração de intenção de o realizar (artigo 11º/1/2 DL 69/2000), por força do artigo 16º DL 285/2007.
5 – De acordo com o artigo 12º DL 285/2007, todos os procedimentos legais e regulamentares da responsabilidade da administração central e que sejam necessários para a concretização do projecto PIN+ correm em simultâneo. Sendo assim, o requerimento para classificação como PIN+ e o pedido de dispensa de AIA correm simultaneamente, sendo os respectivos requerimentos entregues em conjunto à CAA-PIN que, depois, remete o pedido de dispensa de AIA à entidade competente (artigo 18º/1 DL 285/2007).
6 – Porém, todos estes problemas acabam por ser sanados devido ao decorrer do prazo previsto no artigo 6º/2 DL 285/2007, que confere um prazo de 15 dias a contar da recepção da proposta da CAA-PIN (artigo 5º/1) para a emissão de despacho conjunto dos ministros responsáveis pelas áreas do ambiente, do ordenamento do território e desenvolvimento regional e da economia, bem como dos demais ministros competentes em razão da matéria (artigo 6º/1). Tanto quanto sabemos, a Administração Central nada disse a respeito da classificação como PIN+, apenas “o Governo aprovou, através de resolução do Conselho de Ministros, a dispensa de avaliação de impacto ambiental”, mantendo o silêncio quanto ao pedido para classificação como PIN+.
7 – Sendo assim, parece que estamos perante uma situação de indeferimento tácito quanto ao pedido para classificação como PIN+, de acordo com o artigo 6º/2 DL 285/2007.

5. Da licença ambiental
1 – De acordo com os artigos 3º/1 e 2º/h) do DL 173/2008, a instalação do parque eólico de Monte dos Vendavais não se encontra sujeita a licença ambiental.

6. Outros pontos
Quanto à Petição Inicial de João Siroco:
De acordo com o artigo 11º do CPTA, seria obrigatória a constituição de advogado.
Estaremos, assim, perante uma excepção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e que dá lugar à absolvição da instância (artigos 493º/2 e 494º/h) do Código do Processo Civil ex vide artigo 1º do CPTA).
João Siroco vem pedir “a nulidade da licença de um projecto”. Ora, nesta caso, e como já demonstrámos supra, não há lugar à licença ambiental (artigo 3º/1 e artigo 2º/h) do DL 173/2008). É, portanto, inteligível o pedido do autor. Sendo assim, a petição inicial será inepta por força do artigo 193º/2/a) do CPC ex vide artigo 1º do CPTA, sendo nulo o processo instaurado por João Siroco (artigo 193º/1 do CPC).

7. Conclusões
1 – A instalação do parque eólico de Monte dos Vendavais não foi classificada como PIN+, em resultado de indeferimento tácito por decurso do prazo de 15 dias para emissão de despacho conjunto que efectuasse a classificação (artigo 6º/2 DL 285/2007).
2 – A decisão de dispensa de AIA viola o disposto no artigo 3º/1 DL 69/2000: não estamos perante “circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas”.
3 – Não obstante a violação do artigo 3º/1, em caso de dispensa de AIA haveria sempre lugar a consulta pública dos interessados (artigo 14º DL 69/2000, ex vide artigo 3º/9 DL 69/2000).
4 – Deveria ter havido lugar a AIA, com todo o procedimento que lhe está implícito, incluindo a consulta pública dos interessados.
5 – A preterição da consulta pública pelos interessados viola claramente o direito de participação dos particulares na gestão da administração consagrado no artigo 267º/1 CRP. Podemos mesmo entender que acaba por determinar a violação do direito à audiência prévia e, consequentemente, ao ambiente, direito fundamental consagrado no artigo 66º/1 CRP.
6 – Posto isto, mais não se pode determinar além da invalidade e consequente nulidade de todas as aprovações, autorizações, decisões ou licenças da responsabilidade da administração central que levem à concretização do projecto, por força do artigo 133º/2/d) CPA.

As Magistradas do Ministério Público

Ana Carina Baeta
Ana Marta B. L. S. Marcos

22 de Maio de 2009

[1] Presumimos que houve remessa para o tribunal competente, no caso o STA, pois de acordo com o artigo 24º/1/a)iii) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais os processos em matéria administrativa relativos a acções do Conselho de Ministros são da competência do Supremo Tribunal Administrativo. Deveriam, assim, ter sido remetidas ao STA as petições iniciais de João Siroco e de “Os Binóculos Felizes”, de acordo com o artigo 14º do CPTA.
[2] Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª edição, Almedina, Coimbra
[3] Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, Coimbra (2007)
[4] Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina (2002)