Exmos. Senhores Juízes de Direito do Supremo Tribunal Adminiatrativo,
A Associação “Os Binóculos Felizes”, pessoa colectiva de direito privado, com sede na Rua das Flores, nº 3, sita na freguesia de Montes dos Vendavais, concelho de Vilar de Brisa do Mar, registada sob o nº. 505698630 no R.N.C.P., vem requerer, nos termos dos arts. 36º e 112º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA),
contra o
Conselho de Ministros do Governo do Estado Português, com sede no Palácio de S. Bento, Rua de S. Bento, 1250 Lisboa,
em que é contra-interessanda a
Sociedade Sísifo, S.A., pessoa colectiva de direito privado, com sede na Av. Vasco da Gama, nº 2, Parque das Nações, Lisboa,
Providência cautelar não especificada,
O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
I Dos Factos
1º
A Empresa Sísifo, S.A., cuja actividade consiste na promoção, construção e exploração de parques eólicos, pretende construir e explorar um parque eólico, constituído por 15 torres.
2º
A zona de implementação do parque eólico situa-se no Município de Vilar de Brisa do Mar, no lugar Monte dos Vendavais, concretamente no terreno de Ribeira do Verde Gaio, a qual se insere numa área da Rede Natura 2000, sendo uma Zona de Protecção Especial.
3º
A zona de implementação do parque constitui um importante habitat para diversas espécies de aves.
4º
Visto que a Ribeira se encontra num local isolado e sem qualquer tipo de acesso, seria necessário abrir grandes extensões de caminhos até ao local de implementação do projecto, medida esta que provocaria um risco sério para o habitat das espécies.
5º
A zona em causa é não só o habitat natural das espécies que vivem de modo permanente no local, como também constitui um importante corredor migratório para outras espécies. Estas mesmas espécies (especialmente a avifauna) seriam prejudicadas e sofreriam um enorme impacto negativo pela presença e funcionamento constante dos quinze aerogeradores.
6º
Com efeito, os riscos de acidentes de colisão das aves com os aerogeradores são muito elevados.
7º
Estudos da Sociedade Protectora para o Estudo das Aves revelam que a perturbação e o efeito de barreira causados pelos aerogeradores sobre as diversas espécies de aves e a mortalidade destas e de morcegos, devido à colisão com as pás e torres dos aerogeradores e outras estruturas associadas, são uma realidade quotidiana.
8º
Os mesmos estudos constatam que, genericamente, quanto mais próximas se encontrarem as turbinas de áreas de alimentação, migração, repouso e/ou nidificação de aves, maior a probabilidade de afectação.
9º
Além disso, este estudos prevêem que, por ano, morrerão, em média 3 aves por aerogerador. No limite, anualmente morrerão, tendo em conta o número de máquinas instaladas em território nacional, entre 0 e 8486 aves em Portugal devido à existência de parques eólicos.
10º
Os representantes da empresa Sísifo, S.A. e o Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar requereram ao Governo a dispensa do Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental, bem como a sua consideração no âmbito dos Projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN).
11º
Para a dispensa do procedimento de avaliação de impacto ambiental, os réus alegam o Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais, o qual previa já instalação de um parque eólico, de estrutura semelhante ao processo agora em causa.
12º
Este Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais, acima referido, havia já sido sujeito ao Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental.
13º
No espaço de quatro meses, o Governo aprovou, mediante resolução do Conselho de Ministros, a dispensa de avaliação de impacto ambiental, justificando tal dispensa com base no profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia.
14º
Dois dias após a publicação da já referida resolução do Conselho de Ministros, o Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar emitiu um alvará para o inicio das obras de implementação do parque eólico.
II Do Direito
- Da competência:
15º
É competente para conhecer da matéria objecto dos autos este Tribunal, em virtude do disposto no art. 4º, alíneas a), d) e l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, conjugados com os artigos 11º e seguintes e 24º, nº 1, al. a), iii) e al. c) do mesmo diploma, e com o art. 113º, nº 2 do CPTA.
- Da Legitimidade Activa:
16º
A demandante, de acordo com o preceituado no artigo 52º, nº 3, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, no artigo 9.º, n.º 2 do CPTA e nos artigos 2º, nº 1 e 3º da Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular (Lei nº 83/95, de 31 de Agosto), tem legitimidade para propor a presente acção, visto ser uma associação defensora de valores e bens constitucionalmente protegidos, in casu o direito ao ambiente.
17º
Além disso, o próprio art. 112º nº 1 do CPTA confere legitimidade a quem a possua para intentar um processo junto dos tribunais administrativos, tendo o autor esta legitimidade nos termos do art. 9º, nº 2 do CPTA, já acima referido.
- Da Legitimidade Passiva:
18º
A presente é instaurada contra o Conselho de Ministros do Governo do Estado Português, nos termos do art. 10º, nº 2 do CPTA, bem como, em coligação passiva, contra a sociedade Sísifo, S.A., nos termos do art. 10.º, nº 1 do CPTA.
- Do início das obras de instalação do parque eólico em Montes dos Vendavais:
19º
O lugar de Montes dos Vendavais inserido na Zona Natura 2000, qualificado como uma Zona de Protecção Especial (ZPE), nos termos do art. 3º, nº1, al. o), e do anexo A-I, do Decreto-Lei nº 140/1999, de 24 de Abril, o qual vem transpor as Directivas 79/409/CE (directiva aves) e 92/43/CE (directiva habitats).
20º
Segundo a definição dada pelo diploma acima referido, entende-se por ZPE “uma área de importância comunitária no território nacional em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou restabelecimento do estado de conservação das populações de aves selvagens inscritas no anexo A-I e dos seus habitats, bem como das espécies de aves migratórias não referidas neste anexo e cuja ocorrência no território nacional seja regular”.
21º
Já nos termos do art. 11º, nº 1, al. d) do DL nº 140/1999, para assegurar a protecção das aves é expressamente proibido deteriorar ou destruir os locais ou áreas de reprodução e repouso dessas espécies.
22º
O Direito ao Ambiente é um direito fundamental, constitucionalmente previsto, na sua dimensão objectiva, no art. 9º, al. d) e al. e), como tarefa estadual e, na sua dimensão subjectiva, no 66º da Constituição (CRP), sendo um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Como tal, goza do mesmo regime jurídico destes últimos, nomeadamente do seu efeito directo horizontal, nos termos do art. 18º, nº 1 da CRP.
23º
Esta “Constituição do Ambiente” significa, então, a imperativa tomada em consideração dos princípios e valores ambientais como bens jurídicos fundamentais, que impõem objectivos e finalidades, os quais não podem ser afastados pelos poderes públicos.
24º
A concretização da definição de direito ao ambiente encontra-se no art. 66º, nº 2 da CRP, o qual estabelece, na sua alínea a), a prevenção e o controlo da poluição e seus efeitos.
25º
O princípio da prevenção encontra expressão legislativa ao nível dos Tratados constitutivos da União Europeia, no seu art. 174, nº 2 (TCE), o qual estabelece que “a política da comunidade (…) basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva”.
26º
De acordo com uma noção ampla do princípio da prevenção, ele abrange não só a consideração de perigos naturais como também, tendo relevância in casu, a consideração de riscos humanos e a antecipação de lesões ambientais de carácter actual ou futuro.
27º
Como tal, esta noção ampla de prevenção concretiza a concepção de direito do ambiente como um direito constitucional fundamental, com uma dupla vertente e, naquela que aqui releva, enquanto um direito negativo consubstanciado num direito à abstenção por parte do Estado e de terceiros de acções ambientalmente nocivas.
28º
Requer-se, de acordo com o acima mencionado, providência cautelar não especificada, nos termos dos artigos 36º e 112º, n º 1 e nº 2, al. f) do CPTA, de modo a obter a abstenção da sociedade Sísifo, S.A. quanto ao início iminente da construção do parque eólico em Monte dos Vendavais.
III Do Valor da Causa
29º
O valor da causa é, nos termos do art. 33º, al. a) do CPTA, de € 16.000.000, visto ser o custo previsto da obra de instalação do parque eólico em Monte dos Vendavais.
IV Conclusão
30º
Pelo exposto, existindo direitos e interesses em causa, como sejam os direitos ao ambiente e à qualidade de vida, nestes termos, e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve a presente acção ser julgada procedente e, a final, ser decretada providência cautelar antecipatória não especificada, por respeito pelo princípio da prevenção e da protecção do ambiente como tarefa fundamental do Estado.
Testemunhas: Teresa Saraiva, Coordenadora da Sociedade Protectora para o Estudo das Aves, casada, portadora do Bilhete de Identificação nº 11257669, residente na Av. 5 de Outubro, nº 156, 3º Esq., Lisboa.
Mandatários: Mariana de Azevedo e Bourbon Padinha Ribeiro, advogada, portadora do Bilhete de Identificação nº 189456783, emitido em 29/11/2005, pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, contribuinte nº 232987567, solteira, residente na Rua João XXI, nº 55, 3º Dto., 1500-654 Lisboa; Susana Mendes Silva, advogada, portadora do Bilhete de Identificação nº 156435433, emitido em 10/05/2006, pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, contribuinte n.º 232657489, casada, residente na Avenida Almirante Reis, nº 14, 5º esquerdo, 1000-345 Lisboa.
Valor da causa: € 16.000.000
Junta: Procuração forense, comprovativo de pagamento de taxa de justiça inicial, estudo desenvolvido pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, duplicados legais.