Exmos. Senhores Juízes de Direito do Supremo Tribunal Administrativo,
A Associação “Os Binóculos Felizes”, pessoa colectiva de direito privado, com sede na Rua das Flores, nº 3, sita na freguesia de Montes dos Vendavais, concelho de Vilar de Brisa do Mar, registada sob o nº. 505698630 no R.N.C.P., vem intentar, nos termos dos arts. 46º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA),
contra o
Conselho de Ministros do Governo do Estado Português, com sede no Palácio de S. Bento, Rua de S. Bento, 1250 Lisboa,
Acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, na forma ordinária,
O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
I Dos Factos
1º
A Empresa Sísifo, S.A., cuja actividade consiste na promoção, construção e exploração de parques eólicos, pretende construir e explorar um parque eólico, constituído por 15 torres.
2º
A zona de implementação do parque eólico situa-se no Município de Vilar de Brisa do Mar, no lugar Monte dos Vendavais, concretamente no terreno de Ribeira do Verde Gaio, a qual se insere numa área da Rede Natura 2000, sendo uma Zona de Protecção Especial.
3º
A zona de implementação do parque constitui um importante habitat para diversas espécies de aves.
4º
Visto que a Ribeira se encontra num local isolado e sem qualquer tipo de acesso, seria necessário abrir grandes extensões de caminhos até ao local de implementação do projecto, medida esta que provocaria um risco sério para o habitat das espécies.
5º
A zona em causa é não só o habitat natural das espécies que vivem de modo permanente no local, como também constitui um importante corredor migratório para outras espécies. Estas mesmas espécies (especialmente a avifauna) seriam prejudicadas e sofreriam um enorme impacto negativo pela presença e funcionamento constante dos quinze aerogeradores.
6º
Com efeito, os riscos de acidentes de colisão das aves com os aerogeradores são muito elevados.
7º
Estudos da Sociedade Protectora para o Estudo das Aves revelam que a perturbação e o efeito de barreira causados pelos aerogeradores sobre as diversas espécies de aves e a mortalidade destas e de morcegos, devido à colisão com as pás e torres dos aerogeradores e outras estruturas associadas, são uma realidade quotidiana.
8º
Os mesmos estudos constatam que, genericamente, quanto mais próximas se encontrarem as turbinas de áreas de alimentação, migração, repouso e/ou nidificação de aves, maior a probabilidade de afectação.
9º
Além disso, este estudos prevêem que, por ano, morrerão, em média 3 aves por aerogerador. No limite, anualmente morrerão, tendo em conta o número de máquinas instaladas em território nacional, entre 0 e 8486 aves em Portugal devido à existência de parques eólicos.
10º
Os representantes da empresa Sísifo, S.A. e o Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar requereram ao Governo a dispensa do Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental, bem como a sua consideração no âmbito dos Projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN).
11º
Para a dispensa do procedimento de avaliação de impacto ambiental, os réus alegam o Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais, o qual previa já instalação de um parque eólico, de estrutura semelhante ao processo agora em causa.
12º
Este Plano de Pormenor de Monte dos Vendavais, acima referido, havia já sido sujeito ao Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental.
13º
No espaço de quatro meses, o Governo aprovou, mediante resolução do Conselho de Ministros, a dispensa de avaliação de impacto ambiental, justificando tal dispensa com base no profundo interesse nacional em causa e na necessidade de Portugal diversificar as suas fontes de energia.
14º
Dois dias após a publicação da já referida resolução do Conselho de Ministros, o Presidente da Câmara Municipal de Vilar de Brisa do Mar emitiu um alvará para o inicio das obras de implementação do parque eólico.
II Do Direito
- Da competência:
15º
É competente para conhecer da matéria objecto dos autos este Tribunal, em virtude do disposto no art. 4º, alíneas a), e c) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, conjugados com os artigos 11º e seguintes e 24º, nº 1, al. a), iii) do mesmo diploma.
- Da Legitimidade Activa:
16º
A demandante, de acordo com o preceituado no artigo 52º, nº 3, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, no artigo 9.º, n.º 2 do CPTA e nos artigos 2º, nº 1 e 3º da Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular (Lei nº 83/95, de 31 de Agosto), tem legitimidade para propor a presente acção, visto ser uma associação defensora de valores e bens constitucionalmente protegidos, in casu o direito ao ambiente.
17º
O art. 55.º, n.º 1, alínea f) do CPTA remete expressamente para o art. 9.º, número 2 do mesmo diploma, atribuindo legitimidade activa às pessoas e entidades aí previstas, conferindo, portanto, legitimidade activa à associação ambientalista “Os Binóculos Felizes” nos mesmos termos.
18º
Além disso, o próprio art. 134º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) atribui legitimidade a qualquer interessado.
- Da Legitimidade Passiva:
19º
A presente é instaurada contra o Conselho de Ministros do Governo do Estado Português, nos termos do art. 10.º, n.º 2 do CPTA.
- Do acto de dispensa de avaliação de impacto ambiental:
20º
O lugar de Montes dos Vendavais inserido na Zona Natura 2000, qualificado como uma Zona de Protecção Especial (ZPE), nos termos do art. 3º, nº1, al. o), e do anexo A-I, do Decreto-Lei nº 140/99, de 24 de Abril.
21º
Nos termos do art. 30º da Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril), “os planos, projectos, trabalhos e acções que possam afectar o ambiente, o território e a qualidade de vida dos cidadãos, quer sejam da responsabilidade e iniciativa de um organismo da administração central, regional ou local, quer de instituições públicas ou privadas, devem respeitar as preocupações e normas desta lei e terão de ser acompanhados de um estudo de impacte ambiental”.
22º
A avaliação de impacto ambiental, neste caso particular, será necessária, nos termos do art. 1º, nº 3, al. b) e do anexo 2, nº 3, al. i) do Regime Jurídico da Avaliação de Impacto Ambiental (Lei 197/2005, de 8 de Novembro).
23º
O órgão competente para proferir a Declaração de Impacto Ambiental é o Ministro responsável pela área do ambiente, nos termos do art. 18º do Regime Jurídico da Avaliação de Impacto Ambiental.
24º
Consequentemente, o órgão competente para proferir a dispensa do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental é, da mesma forma, o Ministro responsável pela área do ambiente, nos termos do art. 3º do mesmo diploma.
25º
De acordo com o art. 133º, nº 2, al. b) do CPA, este acto de dispensa do Procedimento de Impacto Ambiental é anulável, visto o Governo ser absolutamente incompetente para o proferir, por falta de atribuições, de acordo com os ensinamentos do Prof. Diogo Freitas do Amaral. Para este Professor, as competências atribuídas aos diversos órgãos (nomeadamente aos Ministros, individualmente, e ao Conselho de Ministros) é de ordem pública, não podendo ser modificada, salvo nos casos previstos na lei. Quando muito, o Conselho de Ministros poderia, neste caso, deliberar sobre a questão apenas para dar uma orientação política ao Ministro responsável pela área do ambiente.
26º
Assim, conforme o art. 134º do CPA, este acto nulo é susceptível de invocação a todo o tempo perante os tribunais, nos termos do CPTA, concretamente dos artigos 46º e 51º e seguintes.
27º
Nulidade que para todos os efeitos se invoca.
III Do Valor da Causa
28º
O valor da causa é, nos termos do art. 33º, al. a) do CPTA, de € 16.000.000, visto ser o custo previsto da obra de instalação do parque eólico em Monte dos Vendavais.
IV Conclusão
29º
Pelo exposto, existindo direitos e interesses em causa, como sejam os direitos ao ambiente e à qualidade de vida, nestes termos, e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve a presente acção ser julgada procedente e a final, - ser declarado nulo o acto de dispensa do Procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental quanto à instalação do parque eólico no Lugar de Montes dos Vendavais.
Testemunhas: Teresa Saraiva, Coordenadora da Sociedade Protectora para o Estudo das Aves, casada, portadora do Bilhete de Identificação nº 11257669, residente na Av. 5 de Outubro, nº 156, 3º Esq., Lisboa.
Mandatários: Mariana de Azevedo e Bourbon Padinha Ribeiro, advogada, portadora do Bilhete de Identificação nº 189456783, emitido em 29/11/2005, pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, contribuinte nº 232987567, solteira, residente na Rua João XXI, nº 55, 3º Dto., 1500-654 Lisboa; Susana Mendes Silva, advogada, portadora do Bilhete de Identificação nº 156435433, emitido em 10/05/2006, pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, contribuinte n.º 232657489, casada, residente na Avenida Almirante Reis, nº 14, 5º esquerdo, 1000-345 Lisboa.
Valor da causa: € 16.000.000
Junta: Procuração forense, comprovativo de pagamento de taxa de justiça inicial, estudo desenvolvido pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, duplicados legais.